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'Brasiguaios' pedem paz e tranquilidade ao próximo presidente do Paraguai

Filhos de brasileiros emigrados, nascidos no Paraguai, querem paz para cultivar terras

Agência France-Presse
postado em 17/04/2013 14:16
Santa Rosa Del Monday - Armando Feix sabia que não se estava errado quando decidiu deixar o Brasil para viver no sudeste do Paraguai há 40 anos, apesar da selva impenetrável, da inexistência de rotas, do preço dos cereais baixo.

Mesmo com os obstáculos, as terras baratas e férteis permitiam prever bonança. "Havia muita propaganda do governo. Inclusive se falava que o Paraguai era a Suíça da América do Sul", lembra à AFP o produtor de 71 anos, com seu portunhol, acompanhado da família em sua casa em Santa Rosa del Monday, no departamento de Alto Paraná, a 360 km de Assunção e a cerca de 70 km da fronteira com o Brasil.

Em 1973, quando Feix emigrou ignorando aqueles que diziam que tinha ficado louco, o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-89) promovia a conquista do leste para impulsionar o comércio com o Brasil. A construção da Ponte da Amizade sobre o rio Paraná, inaugurado em 1965, estimulou a colonização da selva paraguaia.

Como Feix, milhares de brasileiros de origem europeia compraram entre os anos 1960 e 1970 terrenos em Alto Paraná ou no também fronteiriço departamento de Canindeyú. E em 40 anos venceram a mata fechada e o isolamento, transformando o lugar na região de maior produção agrícola do Paraguai, especialmente de soja.

Os chamados "brasiguaios", estimados em pouco mais de 10% da população do Paraguai, de quase 7 milhões, reivindicam 80% da produção agrícola do país, responsável por 40% do crescimento econômico nacional, segundo dados oficiais. "Muitos produtores vieram apenas com suas mochilas nas costas e hoje têm 100, 200 hectares", afirma Sérgio Lahr, um engenheiro agrônomo de 40 anos.



Com um sombreiro, calça de vaqueiro, botas e camisa quadriculada, Lahr representa a nova geração de "brasiguaios", a dos filhos dos brasileiros emigrados, nascidos no Paraguai, impulsionadores da mecanização e do desenvolvimento tecnológico da agricultura e defensores dos cultivos transgênicos.

E, assim como seus pais, pedem "paz e tranquilidade" ao governo para que continuem trabalhando suas terras, em sua maioria de menos de 1.000 hectares, afirmam. "Uma guerra civil que ninguém queria"

As terras dos "brasiguaios" foram motivo de conflito durante o governo do ex-presidente Fernando Lugo (2008-2012). Foram exigidos seus títulos de propriedade. Foram acusados de não respeitar a faixa fronteiriça de segurança de 60 km, que por lei não deve estar em mãos de estrangeiros.

Além disso, houve invasões de propriedades por parte de grupos de camponeses sem terra apoiados pelas autoridades. "Nós estávamos com medo porque se entrássemos na briga, talvez começasse uma guerra civil que ninguém queria. E essa é a grande preocupação nos tempos de Lugo", disse à AFP Lauro Olhweiler, um "brasiguaio" que chegou a Alto Paraná há 36 anos.

Feix afirma que, ao contrário das exigências dos camponeses, "em momento algum" houve conflitos com os indígenas. "Estavam morrendo de fome. Agora são agricultores promissores. Copiaram o conhecimento de nós e estão trabalhando bem".

"Compramos a terra com escritura legalmente reconhecida pelo Paraguai e, de repente, vieram os homens de Lugo dizendo que esta terra não nos pertencia", disse Feix.

Destituído pelo Congresso em junho de 2012, dias depois da morte de 17 pessoas em confrontos durante a desocupação de uma propriedade em Curuguaty, a 250 km de Assunção, Lugo foi acusado pelos "brasiguaios" de ter semeado o terror entre eles ao estimular invasões.

Mas o ex-bispo católico, que conheceu a zona de influência "brasiguaia" em seus tempos de seminarista, rejeitou essas afirmações. "Em primeiro lugar, aqui não foi respeitada a linha de segurança fronteiriça. Eles têm isso como uma espada de Dâmocles sobre eles. Em segundo lugar está o esclarecimento e a legalidade de seus títulos", disse Lugo à AFP.

Lugo, que lidera uma coalizão que apresenta um líder camponês como candidato a vice-presidente, assegurou que seu governo não foi "contra os investimentos, nem contra o capital, nem contra a migração".

O ex-presidente de esquerda, que, segundo todas as pesquisas, conquistaria uma vaga no Senado no próximo domingo, pediu "um novo tipo de relação (...) principalmente com os ;brasiguaios;". A disputa no Paraguai para eleger o sucessor de Federico Franco, o ex-vice-presidente de Lugo que assumiu após a crise política de junho passado, será travada entre os partidos tradicionais, de acordo com as pesquisas.

Os representantes políticos dos "brasiguaios" apoiaram Franco e a comunidade pediu também um gesto da presidente brasileira, Dilma Rousseff. Eles acreditam que, tanto o governista Efraín Alegre, do Partido Liberal, como o opositor Horacio Cartes, do Partido Colorado, podem garantir sua tranquilidade.

"Quem quer que seja eleito tem as condições de governar bem o país e dar a segurança de que precisamos para continuarmos trabalhando", disse à AFP Celito Cobalchini, enquanto assiste à 15; Expo Regional Canindeyú, que ele mesmo fundou.

Este produtor brasileiro de 62 anos, que há 35 vive na cidade próxima de Katueté e é dono de 2.500 hectares, não esconde seu orgulho em organizar o evento anual, um dos mais importantes do país e do Mercosul. "Este ano esperamos superar os 250 milhões de dólares em volume de negócios", ressalta.

Tratores, maquinário agrícola, agroquímicos e sementes estão distribuídos pela enorme estrutura, onde também é possível ver indígenas da etnia guayakí, originários da região, exibindo suas peças de artesanato. Na feira, o português reina nas negociações, nos cartazes e na música ambiente, e poucos parecem falar em guarani, idioma oficial dos paraguaios junto com o espanhol.

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