Agência France-Presse
postado em 22/04/2013 14:07
Moscou - A história familiar dos suspeitos dos atentados durante a Maratona de Boston mostra como as turbulências políticas na região do Cáucaso ainda reverberam muito além das fronteiras da Rússia. Os avós Tamerlan e Dzhoja Tsarnaev foram deportados pela polícia de Josef Stalin durante a expulsão em massa dos chechenos durante a Segunda Guerra Mundial. Seus pais viajaram do Daguestão aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor. E os dois irmãos terminaram como suspeitos de um atentado contra civis inocentes.
Tamerlan, 26 anos, e Dzhojar, de 19, viveram nos Estados Unidos por mais de uma década, mas suas origens lançam alguma luz sobre as experiências que os converteram em suspeitos dos atentados. Muitos testemunhos se concentram na origem da família na Chechênia, na região do Cáucaso russo, mas o pai dos jovens, Anzor Tsarnaev, nasceu na realidade na ex-república soviética do Quirguistão, onde Tamerlan e Dzhojar passaram a maior parte de sua infância.
Os pais de Anzor foram deportados ao Quirguistão durante a expulsão de centenas de milhares de chechenos do Cáucaso em 1944, quando as autoridades soviéticas acusaram a população desta região de colaborar com os nazistas. Uma parte da população chechena foi colocada em trens e enviada a milhares de quilômetros de distância, em direção à Ásia Central, principalmente ao Cazaquistão, mas também, como a família Tsarnaev, ao Quirguistão.
Dezenas de milhares de chechenos morreram devido ao frio e os sobreviventes só puderam retornar a sua terra no fim da década de 1950, depois da morte de Stalin. Após o colapso da União Soviética, Anzor deixou o Quirguistão com sua família e retornou ao Cáucaso, afirmou à AFP um oficial dos serviços de segurança quirguizes, o GKNB.
No entanto, a família retornou ao Quirguistão em 1995 após a explosão da primeira guerra da Chechênia entre os separatistas e as forças russas. A família se instalou na cidade de Tomok, onde Tamerlan começou a frequentar a escola. De acordo com fontes locais, Dzhojar nasceu ali e possui a nacionalidade quirguiz. Tamerlan, no entanto, nasceu na república de Kalmukia e tinha a nacionalidade russa.
Fontes russas afirmam que o jovem Dzhojar pode ter sido batizado com este nome em homenagem a Dzhojar Dudayev, líder separatista checheno morto por um ataque aéreo russo em 1996. De acordo com o governo quirguiz, em 2001 a família se mudou para a república do Daguestão, a região natal da mãe dos irmãos, Zibeidat.
[SAIBAMAIS]O cirurgião checheno residente nos Estados Unidos Jassan Baiev, proeminente figura da diáspora chechena, disse ao jornal New York Times que a família decidiu sair do Quirguistão devido às tensões étnicas nesta república. Mas já na época (como até hoje), o Daguestão era uma das regiões mais pobres da Rússia, assolada pelo desemprego e por uma insurgência islamita proveniente da Chechênia. Por isso, a família não permaneceu muito tempo no local e um ano depois, em 2002, se mudou aos Estados Unidos, onde apresentou um pedido de refúgio e se instalou.
"Atualmente, o Daguestão é o ponto mais ;quente; da Rússia", disse à AFP Grigory Shvedov, editor de um jornal na internet sobre o Cáucaso. "O desenvolvimento do terrorismo e as divisões obedecem ao alto nível de religiosidade, ao alto nível de corrupção e ao baixo nível de controle por parte do centro federal. Todos estes fatores floresceram ao fim da época soviética", disse.
Nos últimos anos, Tamerlan aparentemente colocou em seu site na rede YouTube links para vídeos militares, e viajou por Daguestão e Chechênia em 2012. Nos anos seguintes à Segunda Guerra da Chechênia (1999-2009), a insurgência contra o poder russo passou a se basear mais e mais no radicalismo islâmico e menos no separatismo.
No entanto, ainda não está claro se Tamerlan tinha algum vínculo com os insurgentes islamitas chechenos, que desejam criar um emirado regido pela sharia no norte do Cáucaso. O grupo rebelde Vilayat, do Daguestão (uma divisão do grupo Emirado do Cáucaso, do procurado líder militante Doku Umarov), descartou ter qualquer relação com os atentados da maratona de Boston.
De acordo com Shvedov, a atração pela militância pode ter sido motivada "pela lembrança dos pais da guerra na Chechênia e pela memória dos parentes durante a deportação levada adiante por Stalin", além de assuntos atuais, como a invasão do Iraque ou a guerra civil na Síria.