Agência France-Presse
postado em 04/06/2013 18:52
Antigua - Quarenta anos depois de lançada por Washington, a guerra contra as drogas estará em discussão na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que começa nesta terça-feira (4/6) com o desafio de buscar alternativas para a violência deflagrada pelo tráfico e pelo consumo de cocaína na América.Nesta terça-feira (4/6) à noite, na cidade colonial de Antigua, começa a 43; sessão da Assembleia de Chanceleres da OEA, com a presença da presidente da Costa Rica, Laura Chinchilla, do presidente da República Dominicana, Danilo Medina, e do secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry. O encontro com 28 chanceleres e delegados dos 34 membros ativos termina na quinta-feira.
Depois do reconhecimento do fracasso da política antidrogas do governo norte-americano, baseada na repressão policial e militar à produção e distribuição, o debate se concentrará na discussão de novos caminhos para lidar com o tema.
"Um debate longamente esperado, de que nossos países precisam para buscar soluções para um fenômeno que afeta todos, embora não todos por igual (...), os mais vulneráveis ficam com a quota mais pesada da violência", afirmou o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza.
Milhares de pessoas morrem na América Latina pela violência associada às drogas, enquanto esse multimilionário negócio segue de vento em popa: os traficantes mudam rotas, sofisticam seus métodos, abrem novos mercados e aumentam operações de lavagem de dinheiro, apesar das apreensões, capturas e extradições.
Um tema delicado: a legalização
A assembleia acontece exatamente no país que há um ano pôs o dedo na ferida. A discussão se baseará em um relatório feito pela OEA, no mandato da Cúpula das Américas de abril de 2012, em Cartagena (Colômbia), que acolheu a ideia do presidente guatemalteco, Otto Pérez, de buscar alternativas para a guerra antidrogas.
O estudo apresenta quatro cenários frente a esse flagelo: o fortalecimento das instituições e a segurança, a despenalização das drogas, a capacidade de reação por parte da comunidade e a ruptura da cooperação entre países consumidores e de trânsito das drogas.
"Tocou-se em um ponto sensível para muitas pessoas que, embora não acreditem que se tenha de liberar tudo e mudar tudo de um dia para o outro, acreditam que seja necessário reexaminar a política antidrogas", disse Insulza.
Mesmo que não seja um consenso, a despenalização ganha terreno. A maconha é legal para consumo recreativo nos estados do Colorado e de Washington (EUA); no Uruguai, pretende-se legalizar e regular a distribuição; e, em países como Brasil e Argentina, já se avançou na despenalização do consumo pessoal.
Pelo menos 14 países da América Latina estão interessados em promover uma nova política, incluindo os da América Central, Uruguai, Colômbia e México, de acordo com chanceler guatemalteco, Fernando Carrera.
Personalidades, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Vicente Fox (México), pressionam os governos para um diálogo que rompa o status quo.
Não é casual, portanto, que Washington envie alguns pesos-pesados para Antigua. Em sua primeira visita oficial à América Latina, Kerry reafirmará a estratégia dos EUA em conversa com os demais chanceleres - informou a subsecretária adjunta para a região, Roberta Jacobson.
"Nenhuma entidade internacional vai ditar a legalização, certamente não aos Estados Unidos", sentenciou há pouco o subsecretário encarregado da luta antinarcóticos, William Brownfield, que integra a delegação com Jacobson e o czar antidrogas americano, Gil Kerlikowske.
Ainda assim o chanceler anfitrião considera que já se quebrou um "tabu" na política para as drogas: "Achava-se que tudo já estava dito e que a única coisa que se tinha de fazer era aplicar um paradigma de maneira cega".
Monstro de sete cabeças
O relatório da OEA sugere que o problema seja adotado sob uma perspectiva, na qual a saúde pública prevaleça sobre a segurança, priorizando a prevenção e o tratamento do dependente.
Segundo a organização, 45% dos consumidores de cocaína no mundo - metade dos que consomem heroína e opiáceos e 25% dos que fumam maconha - vivem na América, o segundo continente mais violento do planeta depois da África. São 16 assassinatos a cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial.
As drogas se mantêm como um negócio ilícito que altera as economias, corrompe as instituições e deriva em atrocidades contra as pessoas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima em pelo menos US$ 85 bilhões o comércio mundial de cocaína e, desse montante, US$ 35 bilhões são movimentados nos EUA.
"É uma economia ilegal que chega a bilhões de dólares e é operada por redes criminosas transnacionais, expande suas ações para o tráfico ilegal de armas, para o contrabando, para a pirataria, para o tráfico de pessoas, a prostituição, o sequestro e a extorsão", alertou Insulza. Grupos da sociedade civil pediram à OEA que coloque "os direitos humanos no centro do debate".
A Assembleia também deve tratar da reforma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), criticada pelo governo de Caracas e por seus aliados de se submeter aos interesses americanos. Também debaterá temas da atualidade regional, como a crise política da Venezuela.