Renata Tranches
postado em 11/06/2013 06:01
No fim dos anos 1980, a brasilianista norte-americana Maxine Margolis já conhecia bastante sobre o Brasil quando se surpreendeu ao perceber um grande número de pessoas falando português em lugares não turísticos de Nova York. Ao mesmo tempo, notou que a mão-de-obra brasileira no país, especialmente de mulheres, aumentava a cada dia, inclusive entre seus conhecidos. Foi então que ela decidiu ir atrás do tema e, aliando seus conhecimentos e a fluência no português, a antropóloga e professora emérita da Universidade da Flórida iniciou um longo estudo que resultou em uma série de trabalhos sobre a imigração brasileira nos Estados Unidos. Recentemente, porém, ela decidiu ampliar sua pesquisa e lançou, nos EUA, um livro que traça o perfil do imigrante brasileiro pelo mundo. Goodbye, Brazil ; Émigrés from the Land of Soccer and Samba se soma a sua vasta bibliografia e chegará ao Brasil, até o fim do ano, sob o título Goodbye, Brasil: Emigrantes Brasileiros no Mundo (Editora Contexto). Orientadora de doutroado do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Columbia University, Maxine relata, em entrevista exclusiva ao Correio, as transformações do imigrante brasileiro nos últimos anos nos EUA e no mundo e porque considera a comunidade uma ;minoria invisível; em seu país. A antropóloga afirma acreditar que esse é o momento ideal para uma reforma imigratória nos EUA e se diz otimista, mas com cautela. ;É muito triste o fato deles não poderem voltar para seus países.; Como surgiu seu interesse pela imigração brasileira?
Sou uma brasilianista. Por muitos anos, dei aulas na Universidade da Flórida e também fiz pesquisas no Brasil, no estado do Paraná, que não tinham nada a ver com imigração. Mas uma vez, ao visitar o Paraguai com estudantes brasileiros para uma pesquisa sobre os brasiguaios, descobri que essas pessoas saíam do Paraná por conta da mecanização da agricultura e iam trabalhar no país vizinho. Até então, minha pesquisa não tinha nada a ver com imigração. Por volta de 1989, passei a notar, nas idas a Nova York, minha cidade natal, muitas pessoas falando português em lugares não turísticos. Ao mesmo tempo, uma prima de Boston me contou ter contratado uma faxineira brasileira e que todas as suas amigas contavam como brasileiras como babás e faxineiras. Isso foi o início da imigração (para os EUA). Fui para a biblioteca da Universidade da Flórida procurar informação sobre o tema e não havia nada. Decidi fazer uma pesquisa e lancei meu primeiro livro, Little Brazil, em inglês e português, em 1994.
Foi nele que a senhora usou a expressão ;minoria invisível; sobre os brasileiros?
Usei essa frase nesse livro, mas tenho outro trabalho publicado, cuja segunda edição saiu em 2009, com o título Invisible Minority. Trata-se de um estudo sobre a minoria brasileira em Nova York.
Essa expressão é sempre mencionada por estudiosos da área. O que ela significa?
Bem, eu me referia especificamente à comunidade nos EUA. No Japão e em Portugal, por exemplo, ela é muito visível. Aqui, existem três razões para essa invisibilidade. Primeiro, os americanos são muito ignorantes sobre Brasil. Acham que é como o restante dos outros países da América Latina. Eles não entendem que Brasil tem outra língua, outra cultura. Existe muita confusão e muitos americanos acham que os brasileiros são hispânicos, quer dizer, pessoas que falam espanhol. Em segundo, no censo americano, não existe a classificação brasileira. Só há Hispânico/Latino. Mesmo se o entrevistado escrever brasileiro no formulário, não será computado. A terceira razão é que a maioria, cerca de 70% dos brasileiros que vivem nos EUA, são indocumentados, não tem papéis. Eles obviamente não querem preencher formulários. O levantamento do censo sabe disso. Acho que por essas razões, a comunidade é invisível. Claro que em comparação à comunidade de mexicanos, é um grupo pequeno. Mas em Portugal não são invisíveis. Quando começam a falar, todos sabem que são brasileiros. No Japão, também são muito visíveis porque a cultura é muito diferente. Os japoneses se acham parecidos fisicamente (com os descendentes), mas notam o comportamento diferente.
Como observadora dessa comunidade, a senhora acha que as transformações econômicas no Brasil nos últimos anos tiveram um reflexo na imigração brasileira para os EUA?
Sim. Logo no início, a grande maioria dos imigrantes brasileiros era da classe média, média baixa, e muitos eram das cidades grandes, como Belo Horizonte e Rio. Mas de 2001 para cá, eles são de uma classe mais humilde, não pobre, porque esses não têm recursos para emigrar. São mais da classe trabalhadora, do interior, das cidades pequenas. Essas pessoas aumentaram após 2001. São pessoas que não podiam tirar o visto de turismo, era praticamente impossível. Então elas vieram via México.
Então, depois de 2001, aumentou o fluxo de imigração pela fronteira?
Com certeza, via México. Os brasileiros pegavam o avião em São Paulo, voavam até a Cidade do México e, depois, faziam a travessia com a ajuda de coiotes (atravessadores). Isso aumentou muito até 2005, quando o governo mexicano estabeleceu o visto para os brasileiro. A partir daí, ficou mais difícil de novo. Hoje em dia, não posso dizer que tem muito brasileiro chegando, porque em geral a imigração para os EUA baixou muito por conta da recessão de 2008.
Os programas sociais no Brasil refletiram de alguma forma?
Bom, quem recebe bolsa-família, por exemplo, nunca foi imigrante, são pessoas muito pobres. É verdade que a classe média no Brasil aumentou bastante por causa desses programas do governo Lula. Mas nunca foram os pobres que migraram. Não acho que esses programas tiveram um papel na imigração. O que teve um reflexo foi o crescimento da economia brasileira. Tem gente que, por causa da recessão dos EUA e do aumento do PIB per capta no Brasil, em 2010, decidiu voltar, já estavam ilegais aqui e podiam tentar a vida de novo no seu país. Além disso, o discurso anti-imigrante nos EUA piorou muito e gerou medo.
Sobre esse novo trabalho, Goodbye, Brasil, como foi a ideia de ampliar a pesquisa?
Minha pesquisa de campo foi apenas em Nova York, mas visitei a comunidade brasileira em Boston, New Jersey e Denver. Os estudos nessas cidades, assim como de outros países, tem outras autorias. Há três livros escritos em inglês sobre a imigração brasileira no Japão, que eu utilizei. Em geral, pesquisei tudo o que foi publicado ou não, como teses de mestrado e de doutorado. Juntei tudo isso para escrever o livro, em um levantamento inédito.
O que descobriu de mais interessante sobre o imigrante brasileiro?
Por exemplo, tenho um capítulo sobre os brasileiros pobres que foram para o Paraguai, Venezuela, entre outros, para trabalhar como garimpeiros e seringueiros. É um tipo de imigrante bem diferente daquele que foi para os países mais desenvolvidos. O que me interessou também foi a recepção que o brasileiro tem quando emigra. Ela é diferente, por exemplo, no Japão do que nos EUA. Alguns lugares como Japão e Portugal, todos sabem se tratar de brasileiros, por causa da língua, da cultura e do comportamento, que são diferentes deles. No Japão, há muitos conflitos culturais entre os nativos e os dekasseguis (descendentes de japoneses). Há também um capítulo sobre a identidade brasileira nos EUA, na Europa, no Japão, na Austrália, na Nova Zelândia. Notei que em Portugal e na Austrália, um pouco também no Canadá, os brasileiros graduados podem achar empregos melhores. Eles podem fazer trabalhos ligados ao que se formaram na universidade. Em Portugal, há muitos brasileiros trabalhando com tecnologia, marketing, produção de tevê. Essas áreas, como no Japão e nos EUA, são quase impossíveis para quem não domina domina a língua. Por exemplo, em Vancouver (Canadá), tem muitos brasileiros bem sucedidos, com bons salários e bem integrados à sociedade, o que não quer dizer que sejam todos assim.
No seu livro, a senhora diz que 40% dos imigrantes brasileiros escolheram os EUA. Por que eles preferem esse país?
Acho que desde a Segunda Guerra Mundial, a presença dos EUA no Brasil é grande na televisão, na música, no cinema. Temos uma expressão aqui que diz que os brasileiros olham os EUA com ;lentes coloridas;, como um paraíso, um lugar onde todo mundo é rico. É uma pintura ridícula, que não existe. Falo sobre isso no livro. Na imaginação do brasileiro, os EUA estão à frente, tem mais conhecimento do que outros países como a Inglaterra, a Itália.
Tem também a herança, o fato de sempre conhecer alguém que emigrou.
Exatamente, é o que chamamos de ;chain migration; (migração em cadeia). Quer dizer, um vai e chama o outro, manda dinheiro e informação para um irmão, um primo que também quer ir. Temos o exemplo de Governador Valadares, que é famosa no Brasil como uma cidade de imigração. Dizem que 30% da população da cidade mora agora ou já morou no passado nos EUA. Mas há muitos brasileiros que, por conta dos vínculos de sangue, foram para a Itália, Espanha, Alemanha, Portugal, legalmente, quando as portas dos EUA fecharam.
É interessante como grupos de brasileiros ocuparam parte das cidades, colocando nomes em português em comércios locais.
Em Framigham, perto de Boston, a rua principal é tomada pelo comércio brasileiro, com restaurantes, padarias, supermercados. Cerca de 30% daquela cidade são de brasileiros. Uma coisa interessante é que muitas vezes os brasileiros optaram por lugares nos EUA onde já havia uma imigração portuguesa. Em Boston, há uma dessas comunidades bem antiga. Esse fator também influenciou por facilitar a comunicação.
Os EUA estão em momento decisivo sobre uma reforma da imigração. A senhora acredita que ele será aprovado?
Espero que passe no Congresso americano. Pessoalmente, conheço muitos brasileiros e pessoas de outras nacionalidades que trabalham escondido. É muito triste o fato deles não poderem voltar para seus países. Os contrários ao projeto aqui são os extremistas de direita, que não gostam dos estrangeiros. Mas essa última eleição, na qual a população hispânica votou em massa para Obama, mostrou que há um interesse político dos republicanos para passar essa legislação. Acho que tem mais de 50% de chances de passar. O projeto tem apoio das companhias americanas que trabalham com tecnologia, da agricultura e a comunidade dos estrangeiros está fazendo bastante pressão. Estou otimista, ainda que não muito.