postado em 14/06/2013 15:44
ISTAMBUL - O Exército, guardião do legado do pai da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk, quase não é visto no movimento de contestação contra o líder islâmico-conservador Recep Tayyip Erdogan, que desde 2002 tenta reduzir sua influência.
E esse fator contribui para esclarecer o caminho percorrido pelo país, que há décadas bate à porta da União Europeia. A revolta de "Taksim", nome da simbólica praça de Istambul ocupada por dezenas de milhares de manifestantes há vários dias, é a primeira grande crise política da história da Turquia moderna em que o Exército não intervém para restabelecer a ordem.
Defensores da memória de Mustafa Kemal Ataturk, fundador em 1923 da República da Turquia, os militares derrubaram os governos que, aos seus olhos, perderam o controle sobre o país.
Em 1960, os generais executaram o primeiro-ministro Adnan Menderes. Em 1971, destituíram o governo de Suleyman Demirel.
Em 1980, o general Kenan Evren tomou o poder pela força e reescreveu a Constituição para instituir o direito legal de o Exército derrubar qualquer governo. E em 1997, os militares depuseram o governo islâmico de Necmettin Erbakan, o mentor do atual primeiro-ministro.
No mesmo período, Recep Tayyip Erdogan, então prefeito de Istambul, leu um poema islâmico que lhe valeu quatro meses na prisão. A experiência fortaleceu sua aversão pelos "turcos brancos", a elite ;kemalista;, composta por alguns militares, adepta da laicidade e "inimiga" dos islâmicos.
Quando o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), do movimento islâmico, chegou ao poder em 2002, o trabalho para acabar com os militares começou.
--- Expurgos ---
Erdogan passou a favorecer a Polícia em detrimento do Exército, uma escolha que não é coincidência. "A estratégia de penetração dos conservadores na Polícia havia começado bem antes de 2002, em meados dos anos 80", lembra Jean-François Perouse, diretor do Instituto Francês de Estudos da Anatólia (IFEA), em Istambul.
"E se a Polícia é quem administra a crise da Taksim, e não o Exército, isso é o resultado de deslegitimação política dos militares realizada pelo AKP", acrescenta Perouse.
Com nomeações de generais leais ao AKP e expurgos de jovens oficiais rotulados como muito "kemalistas", o primeiro-ministro atacou as raízes do Exército turco.
Em um processo ainda mais importante, vários julgamentos foram reabertos a partir de 2003, revelando os anos sombrios da ditadura militar e as redes anticomunistas mantidas por países da Otan. Isso ajudou a manchar a imagem do Exército.
Por trás de nomes em código estavam redes clandestinas, formadas por ativistas da esquerda republicana, da extrema-direita, militares, mafiosos, jornalistas e acadêmicos, todos acusados de conspirar contra o governo para colocar o Exército de volta no poder.
A Turquia repousa sobre o "Estado profundo", ou "Derin Devlet" em turco, uma rede informal de militares e civis que durante décadas executou comunistas, dissidentes, jornalistas e islamitas considerados ameaças ao Estado.
Desde 2007, a justiça tem atacado dezenas de soldados. Esse é o caso do General Cetin Dogan, que preparou, de acordo com a justiça, uma série de ataques destinados a semear o caos na Turquia e a justificar uma intervenção militar de manutenção da paz.
No total, 365 oficiais da ativa ou na reserva são julgados desde 2010.
Da mesma forma, o ex-general Kenan Evren, de 94 anos, chefe da junta responsável pelo golpe de Estado de 1980, é julgado desde 2012.
Para esses processos, a justiça ataca frontalmente um Exército até então intocável. Mas se para o AKP, estes julgamentos representam um passo importante para a democratização da Turquia, os defensores do legado laico de Ataturk veem uma conspiração para silenciar a oposição e facilitar a islamização do país.
E esse fator contribui para esclarecer o caminho percorrido pelo país, que há décadas bate à porta da União Europeia. A revolta de "Taksim", nome da simbólica praça de Istambul ocupada por dezenas de milhares de manifestantes há vários dias, é a primeira grande crise política da história da Turquia moderna em que o Exército não intervém para restabelecer a ordem.
Defensores da memória de Mustafa Kemal Ataturk, fundador em 1923 da República da Turquia, os militares derrubaram os governos que, aos seus olhos, perderam o controle sobre o país.
Em 1960, os generais executaram o primeiro-ministro Adnan Menderes. Em 1971, destituíram o governo de Suleyman Demirel.
Em 1980, o general Kenan Evren tomou o poder pela força e reescreveu a Constituição para instituir o direito legal de o Exército derrubar qualquer governo. E em 1997, os militares depuseram o governo islâmico de Necmettin Erbakan, o mentor do atual primeiro-ministro.
No mesmo período, Recep Tayyip Erdogan, então prefeito de Istambul, leu um poema islâmico que lhe valeu quatro meses na prisão. A experiência fortaleceu sua aversão pelos "turcos brancos", a elite ;kemalista;, composta por alguns militares, adepta da laicidade e "inimiga" dos islâmicos.
Quando o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), do movimento islâmico, chegou ao poder em 2002, o trabalho para acabar com os militares começou.
--- Expurgos ---
Erdogan passou a favorecer a Polícia em detrimento do Exército, uma escolha que não é coincidência. "A estratégia de penetração dos conservadores na Polícia havia começado bem antes de 2002, em meados dos anos 80", lembra Jean-François Perouse, diretor do Instituto Francês de Estudos da Anatólia (IFEA), em Istambul.
"E se a Polícia é quem administra a crise da Taksim, e não o Exército, isso é o resultado de deslegitimação política dos militares realizada pelo AKP", acrescenta Perouse.
Com nomeações de generais leais ao AKP e expurgos de jovens oficiais rotulados como muito "kemalistas", o primeiro-ministro atacou as raízes do Exército turco.
Em um processo ainda mais importante, vários julgamentos foram reabertos a partir de 2003, revelando os anos sombrios da ditadura militar e as redes anticomunistas mantidas por países da Otan. Isso ajudou a manchar a imagem do Exército.
Por trás de nomes em código estavam redes clandestinas, formadas por ativistas da esquerda republicana, da extrema-direita, militares, mafiosos, jornalistas e acadêmicos, todos acusados de conspirar contra o governo para colocar o Exército de volta no poder.
A Turquia repousa sobre o "Estado profundo", ou "Derin Devlet" em turco, uma rede informal de militares e civis que durante décadas executou comunistas, dissidentes, jornalistas e islamitas considerados ameaças ao Estado.
Desde 2007, a justiça tem atacado dezenas de soldados. Esse é o caso do General Cetin Dogan, que preparou, de acordo com a justiça, uma série de ataques destinados a semear o caos na Turquia e a justificar uma intervenção militar de manutenção da paz.
No total, 365 oficiais da ativa ou na reserva são julgados desde 2010.
Da mesma forma, o ex-general Kenan Evren, de 94 anos, chefe da junta responsável pelo golpe de Estado de 1980, é julgado desde 2012.
Para esses processos, a justiça ataca frontalmente um Exército até então intocável. Mas se para o AKP, estes julgamentos representam um passo importante para a democratização da Turquia, os defensores do legado laico de Ataturk veem uma conspiração para silenciar a oposição e facilitar a islamização do país.