Cairo - As negociações para a formação do governo interino egípcio se intensificaram neste sábado e tudo indica que o novo homem-forte do país, o general Abdel Fattah al-Sissi, continuará como ministro da Defesa, no dia seguinte às manifestações em favor do presidente deposto Mohamed Mursi. O primeiro-ministro Hazem Beblawi começou a se reunir nesta tarde com alguns futuros ministros.
De acordo com fontes oficiais, a composição do governo está 90% concluída. O vice-presidente encarregado das relações internacionais, Mohamed ElBaradei, e o economista Ziad Bahaa Eldin, cotado para o cargo de vice-primeiro-ministro, participam das reuniões, segundo a agência de notícias Mena. O governo de transição será anunciado em meados da próxima semana, de acordo com a Mena, que acrescentou que o ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, e o da Defesa, general Sissi, devem permanecer em seus respectivos cargos.
Estes esforços refletem o compromisso do novo governo de seguir em frente, apesar dos protestos em favor de Mursi. "Haverá novas manifestações", declarou o porta-voz da Irmandade Muçulmana, Tareq al-Muri. "Serão eventos pacíficos", assegurou à AFP. Sexta-feira, dezenas de milhares de manifestantes se reuniram para exigir o retorno do presidente islamita, mais de uma semana depois de sua destituição por parte do Exército e do anúncio de um processo de transição.
Os partidários de Mursi se reuniram para a primeira sexta-feira do Ramadã em frente a uma mesquita do Cairo, enquanto os opositores convocaram uma demonstração de força na Praça Tahrir, no final da noite, aproveitando a ruptura do jejum. Ao meio-dia, uma grande multidão já estava reunida em frente à mesquita Rabaa al-Adawiya, no bairro de Nasr City, ocupado por partidários do presidente deposto. "Estamos aqui para dizer aos militares que não renunciaremos à legitimidade" do primeiro presidente democraticamente eleito do país, declarou à AFP Ashraf Fangary. "Vamos defender Mursi com o nosso sangue", acrescentou Mohamed Yousry.
[SAIBAMAIS]Leia mais notícias em Mundo
Com um Alcorão em uma mão e uma bandeira egípcia na outra, os manifestantes islamitas, provenientes de diversas regiões, condenavam as ações do Exército e expressavam sua lealdade a Mursi, constatou um jornalista da AFP. "Vamos permanecer nas ruas por um mês, dois meses ou até um ano ou dois, se necessário", disse à multidão o líder islamita Safwat Hegazi. Ele reiterou as exigências da Irmandade Muçulmana: o imediato retorno de Mursi; a realização de eleições legislativas; e a criação de uma comissão de reconciliação nacional.
O novo governo egípcio, que ignora essas demandas, garantiu que Mursi está "seguro" e sendo "tratado com dignidade". Mas ele não aparece em público desde sua prisão, logo após o golpe militar. Os Estados Unidos, que concedem 1,3 bilhão de dólares em ajuda militar ao Egito, pediram que os militares egípcios e os dirigentes civis interinos do país libertem o presidente Mohamed Mursi. A porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, disse que os Estados Unidos apoiam o apelo pela libertação de Mursi, feito pouco antes pela Alemanha, e que seu governo faria "publicamente" o mesmo pedido.
Psaki indicou que autoridades americanas vêm mantendo contatos regulares com todos os setores da sociedade egípcia. Na capital tunisiana, Túnis, milhares de manifestantes também protestaram neste sábado, convocados pelo partido islamita Ennahda, à frente do governo, para denunciar o golpe contra o presidente egípcio. "Abaixo o poder militar"; "Não à força das armas, sim à legitimidade das urnas", gritavam.
Cerca de cem pessoas morreram desde a derrubada de Mursi, acusado de trair os ideais da revolução contra Hosni Mubarak, de não conseguir administrar o país e de servir aos interesses da Irmandade Muçulmana, grupo ao qual pertence o presidente deposto. Neste contexto, o mês sagrado do Ramadã começou em meio a um ambiente menos descontraído do que o habitual no Egito, o país de maior população do mundo árabe, com 84 milhões de habitantes, o que reflete a tensão desde a queda de Mursi.
Na segunda-feira, poucos dias antes do início do Ramadã, 53 pessoas morreram e várias ficaram feridas em violentos distúrbios registrados durante uma manifestação a favor de Mursi diante da sede da Guarda Republicana. A Irmandade Muçulmana denunciou um "massacre" contra manifestantes pacíficos, enquanto o Exército afirmou que havia atacado um grupo de "terroristas". A desconfiança dos islamitas em relação às novas autoridades foi reforçada na quarta-feira, após a divulgação de uma nova ordem de prisão contra o guia supremo da Irmandade Muçulmana por incitação aos distúrbios de segunda.
O processo de transição política anunciado pelo presidente interino Mansour Adly inclui a adoção de uma nova Constituição antes das eleições. Mas Hazem Beblawi, ex-ministro das Finanças, também terá a difícil tarefa de reativar uma economia arruinada. "Minhas prioridades são restaurar a segurança, garantir o acesso aos alimentos e serviços, e preparar eleições legislativas e presidenciais", resumiu.