Agência France-Presse
postado em 15/08/2013 17:24
CAIRO - Novos episódios de violência foram registrados nesta quinta-feira (15/8) no Egito com ataques a prédios públicos e a morte de nove policiais e militares, um dia depois de um banho de sangue condenado pela comunidade internacional, principalmente pelo presidente americano, Barack Obama.Obama anunciou o cancelamento de exercícios militares conjuntos que seriam realizados entre os dois países. Logo após essa declaração, que, no entanto, não incluiu a interrupção da substancial ajuda de Washington a seu grande aliado árabe, o governo egípcio instaurado pelo Exército anunciou ter autorizado a polícia a atirar com balas reais contra os manifestantes que atacarem bens públicos ou as forças de ordem.
Longe de apaziguar os ânimos, esse anúncio aumentou os temores de novos atos de violência um dia depois do dia mais sangrento da história recente do Egito, com 578 mortos, incluindo mais de 300 no ataque da Polícia e do Exército contra os partidários do presidente deposto Mohamed Mursi, no Cairo.
Depois dessa operação que desencadeou uma onda de violência em outras cidades do país, o governo saudou a "grande moderação" da Polícia.
Mas após um ataque nesta quinta contra a sede administrativa do governo da província de Guizé, no subúrbio do Cairo, e a morte de nove policiais e militares, atribuídos a "islamitas", o Ministério do Interior anunciou publicamente sua decisão de autorizar seus homens a utilizar balas reais contra qualquer um que atacar prédios governamentais ou as forças de ordem.
Nesta quinta, Obama utilizou pela primeira vez uma linguagem dura para se referir à situação no Egito. Ele condenou a violência e anunciou o cancelamento de manobras militares conjuntas, mas evitou mencionar a ajuda de 1,5 bilhão de dólares concedida todos os anos, em grande parte ao poderoso Exército egípcio, que controla as autoridades de transição. Obama considerou que o o país está em um "caminho perigoso".
-- Egípcios choram seus mortos --
Apesar do violento ataque aos acampamentos de manifestantes pro-Mursi, a Irmandade Muçulmana, movimento do presidente deposto, convocou novas manifestações.
Mas no início do estado de emergência que deve durar um mês, nenhuma manifestação estava sendo realizada no Cairo. Em Alexandria (norte) e em Beni Soueif (sul) militantes islamitas saíram às ruas.
Após a violenta dispersão dos acampamentos, imagens aéreas filmadas mostraram um mar de barracas em chamas na praça Rabaa al-Adawiya, que ficou ocupada por mais de um mês por milhares de manifestantes, incluindo mulheres e crianças.
Mais de 200 corpos envoltos em lençóis brancos estavam alinhados nesta quinta-feira no chão da mesquita da capital, enquanto voluntários tentavam fazer uma lista dos nomes das vítimas.
Segundo o chefe dos serviços de emergência egípcios, mais de 200 pessoas morreram apenas na praça Rabaa al-Adawiya. A Irmandade Muçulmana indicou, por sua vez, 2.200 mortos e mais de 10.000 feridos.
Dezenas de pessoas tentavam identificar parentes tapando o rosto com lenços para evitar o forte cheiro. Entre eles, uma mulher afirmou à AFP que tinha ido buscar o corpo de sua filha. Uma outra mulher entrou em desespero ao encontrar um corpo calcinado sob um lençol.
-- Evitar a "guerra civil" --
Várias personalidades egípcias criticaram a intervenção das forças de ordem, principalmente o vice-presidente Mohamed ElBaradei, prêmio Nobel da Paz, que renunciou e o grão-imã de Al-Azhar, a maior autoridade do Islã sunita.
A imprensa egípcia, entretanto, deu apoio ao Exército, como o jornal governamental Al-Akhbar, que destacou "O fim do pesadelo da Irmandade Muçulmana".
A comunidade internacional condenou de forma unânime o massacre.
Os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU se reunirão na tarde desta quinta em Nova York para abordar a situação no Egito.
Navi Pillay, alta comissária da ONU encarregada dos Direitos Humanos, pediu uma investigação sobre o ataque das forças egípcias. O presidente francês, François Hollande, pediu que todos "atuem para evitar a guerra civil". Paris e Berlim convocaram os embaixadores egípcios.
O papa Francisco pediu orações "pela reconciliação" nos países onde várias igrejas foram atacadas na quarta-feira. A China manifestou sua "grande preocupação".
Moscou recomendaram aos seus cidadãos que evitem viajar ao Egito. Já Washington fez um apelo para que os americanos não viajem para o país do norte da África.
O governo fez vários pedidos para que os manifestantes pró-Mursi deixassem as praças na capital do país, ameaçando sempre com o uso da força, mas estes se recusaram, afirmando que manteriam os atos até a volta de Mursi à presidência.
Antes do ataque, os confrontos registrados durante as manifestações a favor e contra Mursi e os ataques contra as forças de segurança no Sinai haviam deixado mais de 300 mortos desde o final de junho.
Os pró-Mursi denunciam um golpe de Estado militar liderado pelo general Abdel Fattah al-Sissi contra o primeiro presidente democraticamente eleito do país e se recusam a participar do processo de transição.