Damasco - São os novos "turistas" de Damasco: dezenas de famílias de deslocados vivem em hotéis em ruínas, algumas delas há mais de um ano, amontoadas em quartos de 15 m2, onde cozinham no banheiro e compartilham a máquina de lavar com o vizinho.
Desde o início do conflito, há dois anos e meio, o número de sírios deslocados no país chegou a pelo menos 4,25 milhões, que se somam aos mais de dois milhões de refugiados, anunciou nesta terça-feira (3/9)o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. De acordo com o órgão, trata-se de uma "catástrofe humanitária (...) sem equivalente na História recente".
Em um dos hotéis do bairro popular de Marjé, em Damasco, Hana lembra de sua mansão tradicional de pedra basáltica na cidade antiga de Homs, terceira maior da Síria, devastada pela guerra.
"Tinha um pátio bonito, muitas janelas davam para a rua. Me disseram que ficou totalmente destruída", lamentou essa viúva, na faixa dos 30, cercada dos três filhos, tentando conter as lágrimas.
Em dois anos, ela mudou três vezes de hotel e, há sete meses, vive em um quarto com quatro camas e uma televisão. No canto, uma maleta - a única que conseguiu carregar ao fugir de Homs. "Ficamos todo o dia vendo séries na TV, ou cozinhando", contou.
"Olhem para a minha ;cozinha;", aponta ela, mostrando um pequeno forno oxidado, perto do banheiro. Em outros quartos desse mesmo hotel, a umidade descolou o papel de parede, e os letreiros em neon piscam sem parar.
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Nesse hotel, que costumava receber peregrinos iranianos a caminho de Sayyeda Zeinab, lugar sagrado xiita perto de Damasco, deslocados de Homs convivem com os da província de Damasco e ocupam metade dos 40 quartos, segundo funcionários do hotel.
"Às vezes, uso a máquina de lavar dos meus vizinhos, que são deslocados de Harasta", uma cidade perto de Damasco, onde os rebeldes e o Exército se enfrentam, afirma Hana, que perdeu o marido, sequestrado e assassinado no início do conflito.
"Meu marido era taxista em Homs e ganhava bem. Eu não precisava de nada", suspira, enquanto arruma o véu colorido sobre a cabeça.
"COMO MENDIGOS"
Até recentemente, ela recebia ajuda de uma "benfeitora", que deixou o país. Agora, Hana está no hotel, sem nada. "Devo três meses ao hotel", confessa.
[SAIBAMAIS]
Seu filho mais velho, de 16 anos, trabalha preparando a brasa para o narguilé em um café das redondezas: "Às vezes, dão uma gorjeta de 500 libras sírias (US$ 2) por dia para ele, e isso nos ajuda a sobreviver". Muitos desses deslocados internos sofrem, principalmente, com o sentimento de decadência.
"Tinha uma loja de celulares, eu me sentia importante. Hoje, quando vamos pedir ajuda a uma instituição de caridade, nós nos sentimos como mendigos", revela Abu Amer, instalado nesse mesmo hotel há um ano e sete meses. Abu é de Jaldiyé, um bairro de Homs retomado pelo Exército no final de julho. "Sabe quem nos ajuda mais? São as igrejas em Bab Touma", na Velha Damasco, conta ele.
O hall e as escadas do hotel se transformaram em um espaço de recreação para as crianças deslocadas, que se divertem escorregando pelo corrimão, ou conversando sentadas no chão.
No restaurante, abandonado, as mesas estão ocupadas por Abu Amer e por seus amigos deslocados de Homs. Diariamente, eles se reúnem para jogar cartas.
A maioria desses hotéis, abandonados pelos turistas (à exceção de alguns empresários árabes), reduziu o valor da diária. E, embora alguns garantam ter acolhido deslocados sem cobrar nada, seus proprietários também têm contas a pagar.
"Pagávamos 25 mil libras sírias por mês (cerca de US$ 125). Hoje, o hotel está cobrando 30 mil libras, porque o preço do combustível aumenta", explica Abu Amer.
Boa parte desses deslocados na capital prefere esta vida à de um refugiado - apesar de tudo. "Pelo menos, estamos no nosso país", diz Hana.