Agência France-Presse
postado em 06/09/2013 21:16
A tensão pelas denúncias de espionagem dos Estados Unidos sobre o Brasil, a maior desde 2010 quando Brasília tentou servir de mediador com o Irã sobre seu programa nuclear, será superada porque ambos têm muito em jogo - afirmam analistas consultados pela AFP."A maior tensão foi a crise com o Irã", disse à AFP Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington, referindo-se à tentativa de mediação sobre o polêmico programa nuclear iraniano, realizada junto com a Turquia pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
A iniciativa foi rejeitada por Estados Unidos e Europa.
"Isso não é uma crise, vai se resolver. É uma divergência que será superada (...) A espionagem existe na França, na Inglaterra, na China (...) Todo o mundo espiona todo o mundo", acrescentou.
A presidente Dilma Rousseff, que deve realizar uma visita de Estado a Washington em 23 de outubro, disse nesta sexta que está "indignada" com as "gravíssimas" denúncias de que os Estados Unidos espionaram suas comunicações, as de vários de seus assessores e de milhões de cidadãos brasileiros.
As denúncias se baseiam em documentos vazados pelo ex-consultor de inteligência da NSA, o americano Edward Snowden, ao repórter do jornal britânico "The Guardian" Glenn Greenwald, que vive no Rio de Janeiro. Snowden obteve asilo temporário de um ano na Rússia.
Obama se reuniu com Dilma, em paralelo à cúpula do G-20, em São Petersburgo, na Rússia. O presidente dos EUA garantiu que leva as denúncias "muito a sério" e que Dilma terá uma resposta na quarta-feira.
"O que irritou muito a Dilma foram as revelações de que ela era vigiada, mas, se Obama entrega por via diplomática uma resposta considerada adequada, a visita de outubro continuará de pé", comentou o analista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.
Uma missão técnica preparatória para a visita de Dilma aos EUA já foi cancelada.
Para o ex-presidente Lula, Obama deve pedir desculpas.
"A resposta americana não pode ser via diplomacia, porque a espionagem não foi via diplomacia. Cabe a Obama, humildemente, pedir desculpas à presidente Dilma e ao Brasil", declarou Lula, na quinta-feira, acrescentando que "os Estados Unidos não foram designados para ser o xerife do mundo, ninguém pediu".
Segundo o diplomata Rubens Barbosa, Rousseff "fará como fizeram todos os países da Europa: protestaram muito e, depois, acomodaram para defender seus interesses".
Um documento vazado por Snowden e divulgado pela TV Globo revela que, entre os desafios dos Estados Unidos para o período 2014-2019, aparece o surgimento de Brasil e Turquia no cenário global como um "risco" para a "estabilidade regional".
Brasil e México, cujo presidente Enrique Peña Nieto também teria sido espionado antes de assumir, aparecem em um grupo de países - junto com Egito, Índia, Irã e Turquia - que a diplomacia americana não sabe em qual categoria classificar: "amigo, inimigo, ou problema".
O Brasil, que aspira a um posto permanente em um Conselho de Segurança da ONU reformado, ergueu-se como líder regional, aproveitando uma tendência cada vez mais forte na América Latina de autonomia em relação aos EUA. Este, por sua vez, diminuiu seu interesse pela região.
Nesse quadro, o Brasil impulsionou a criação de organismos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), ou a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), nas quais Washington foi deixada de fora.
Brasil e Estados Unidos tiveram relações cordiais, mas distantes durante o governo Lula, que não chegou a ser convidado para uma visita de Estado a Washington. Já o governo de Dilma se mostrou, na avaliação dos especialistas, menos ideológico e mais pragmático do que o de seu antecessor.
"São dois países grandes, com muito a ganhar" de uma boa relação bilateral, do ponto de vista comercial, de investimentos e tecnológico, disse Barbosa, que acredita que a visita de Dilma aos EUA será mantida.
Hoje, os Estados Unidos são o segundo sócio comercial do Brasil, atrás da China, que assumiu o primeiro lugar em 2010.
Segundo o especialista em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Christian Lohbauer, Dilma está "superdimensionando" a espionagem para ganhar apoio político, após a perda de popularidade sofrida com os maciços protestos nas ruas, em junho.
"Os americanos erraram. Ponto", afirmou. Ainda assim, Dilma "exagera um pouco", já que, "com toda franqueza, não há nada para espionar no Brasil" e, por isso "o país não tem um controle das suas comunicações", completou Lohbauer.
"Não é um tema para romper relações diplomáticas. (Dilma) usa isso para ganhar popularidade e coesão interna", insistiu o analista.