Cairo, 23 novembro 2013 (AFP) - A crise entre o Egito e a Turquia, iniciada com a destituição do presidente islâmico Mohamed Mursi e a repressão de seus partidários, agravou-se neste sábado com a expulsão por parte do Cairo do embaixador turco.
Trata-se da medida diplomática mais drástica adotada pelo Egito após as declarações do primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, condenando a repressão dos islamitas pelas novas autoridades egípcias.
Erdogan, um islâmico conservador próximo de Mursi e da Irmandade Muçulmana, confraria à qual pertence o presidente destituído, chamou de "golpe de Estado" a ação militar de 3 de julho que terminou com a queda e a detenção do presidente.
Neste sábado, depois da expulsão do embaixador turco, o premier Erdogan voltou a criticar o atual governo do Egito. "Nunca respeitarei os que chegam ao poder por golpes", declarou aos jornalistas. "Nós apoiamos a luta pela democracia no mundo. Nós nunca respeitamos os que não respeitam os direitos soberanos do povo", acrescentou Erdogan.
Além disso, o premiê criticou a repressão sangrenta, realizada pelas novas autoridades, dos partidários do ex-presidente Mursi e a perseguição sofrida pelos membros da Irmandade Muçulmana, quase todos presos.
Hoje, Erdogan participou de um comício no norte da Turquia, no qual levantou quatro dedos, em um sinal chamado Rabaa (do árabe "quatro"), associado à repressão aos islamitas na praça Rabaa al Adawiya, no Cairo. Centenas de pessoas morreram em confrontos nesse local.
Na última quinta-feira, o primeiro-ministro já havia dito não "ter nenhum respeito por aqueles que levaram Mursi à Justiça", em referência ao julgamento iniciado em 4 de novembro do único presidente eleito democraticamente no Egito por "incitação ao assassinato" de manifestantes no final de 2012.
Considerando essas declarações "provocadoras" e "uma ingerência inaceitável nos assuntos internos do Egito", o Ministério egípcio das Relações Exteriores convocou o embaixador turco Huseyin Avni Botsali, que foi informado de que é "persona non grata" no país - disse à AFP o porta-voz da Chancelaria egípcia, Badr Abdelatty.
Além disso, o embaixador egípcio, chamado em 15 de agosto para retornar ao Cairo, não voltará para Ancara, e o nível da missão diplomática egípcia na Turquia será reduzido a apenas um encarregado de negócios, segundo o governo.
O Ministério acusou a Turquia de "apoiar (...) organizações que buscam criar a instabilidade", em clara referência à Irmandade Muçulmana, e criticou Ancara de "tentar colocar a comunidade internacional contra os interesses do Egito".
Pouco tempo depois, a Turquia declarou o embaixador do Egito, Salah ElDin, "persona non grata" e reduziu suas relações diplomáticas ao mesmo nível, como medidas de reciprocidade.
O presidente turco, Abdullah Gül, ainda tentou apaziguar os ânimos, considerando a situação como "temporária e conjuntural", e disse esperar que as "relações sejam retomadas".
Já o embaixador da Turquia no Cairo afirmou que "continuará a rezar pelo bem do Egito", porque "é da maior importância para a região e para o mundo que o Egito permaneça no caminho da democracia".
As relações diplomáticas entre os dois países estão comprometidas desde a destituição e prisão pelo Exército egípcio do então presidente Mursi, poucos dias depois de milhões de egípcios irem às ruas para exigir sua saída. Os manifestantes acusavam Mursi de querer islamizar a sociedade e concentrar o poder em favor da Irmandade Muçulmana, à qual pertence.
No dia seguinte à morte, oficialmente, de mais de 600 pessoas na dispersão sangrenta de ativistas pró-Mursi no Cairo, em 14 de outubro, os dois países anunciaram a convocação de seus embaixadores para consultas.
O embaixador turco retornou ao Cairo no início de setembro, mas o embaixador egípcio nunca mais voltou a Ancara.
Além disso, Ancara e Cairo cancelaram manobras navais conjuntas previstas para outubro.
Outros países também têm criticado as novas autoridades egípcias, sob o comando do Exército.
Em 28 de setembro passado, o presidente da Tunísia, Moncef Marzuki, pediu a libertação de Mursi, enquanto as relações entre Washington e Cairo também se deterioraram após o golpe militar.
Nesse contexto, Washington decidiu congelar parcialmente sua ajuda ao Egito (de US$ 1,5 bilhão), o que levou o Egito a procurar "diversificar suas opções". Recentemente, o chanceler russo foi recebido com grande pompa para discutir contratos de armas.