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Uruguai tentará liberar a venda da maconha para combater narcotráfico

A iniciativa foi apresentada há um ano e meio pelo governo do presidente José Mujica junto a uma série de medidas para frear o aumento da insegurança pública e desencorajar a violência associada ao tráfico

Montevidéu - O Senado uruguaio votará nesta terça-feira (10/12) um projeto de lei mundialmente inédito e que visa a regular a produção e a venda de maconha, uma experiência que o governo pretende fazer para tentar combater o narcotráfico. O texto - aprovado em julho pela Câmara de Deputados - tem a sanção assegurada pelo apoio da governista coalizão esquerdista Frente Ampla, que controla as duas câmaras.



O Uruguai enquadra a iniciativa na postura da Comissão Global de Política de Drogas - integrada pelos ex-presidentes da Colômbia César Gaviria e do México Ernesto Zedillo, entre outros - que sustenta que a guerra contra as drogas fracassou. Mujica, um ex-guerrilheiro de 78 anos, calcula que o país gasta 80 milhões de dólares anuais para combater o narcotráfico e manter os presos por crimes vinculados à droga.

Atualmente, consumir drogas não é penalizado, mas apenas comercializá-las. O consumo de maconha é o mais estendido entre as drogas ilegais e duplicou nos últimos 10 anos. Segundo as autoridades, há 128 mil consumidores de maconha, embora as associações de consumidores calculem que este número alcance os 200 mil.

Melhor preço e qualidade

O governo planeja atrair os consumidores com uma maconha mais barata e de melhor qualidade que a comprada hoje no mercado ilegal. "Vamos levar em conta os preços no mercado negro até começarmos a desestruturar o funcionamento deste mercado", declarou à AFP Julio Calzada, secretário-geral da Junta Nacional de Drogas.

Mas o projeto divide os médicos uruguaios, que afirmam, por um lado, que diminuirá o consumo de drogas mais perigosas enquanto, por outro, que banaliza os efeitos nocivos da maconha. "Quando esta lei for aprovada, a mensagem que você enviará a toda a população é que é uma droga, mas é menos pior que outras drogas e, portanto, passível de ser consumida", afirmou à AFP o psiquiatra Pablo Trelles, que trabalha com jovens viciados.

Já os legisladores da oposição advertem que a lei corre o risco de provocar um aumento do consumo. Os consumidores também não são unânimes. Alguns não veem com bons olhos o registro para ter acesso à droga. Calzada admite que o maior risco é que a regulação "possa disparar o consumo se não realizarmos bem os controles".

Os olhos do mundo no Uruguai


Os especialistas também têm opiniões diferentes. "O Uruguai pode impulsionar o discurso internacional, científico e político sobre como desenvolver um controle de drogas mais razoável e mais afetivo", declarou à AFP Hanz-Joerg Albrecht, diretor do instituto Max Planck para o direito penal.

Albrechta acredita que os maiores riscos são de aumento do consumo e de que ocorram problemas de saúde na população, mas advertiu que é difícil determinar a causa-efeito deste tipo de casos. Já Arjan Roskam, dono da holandesa Green House, o maior banco de sementes de maconha do mundo, adverte que se a regulação ocorrer "de uma forma muito socialista não funcionará".

Roskam, um dos especialistas consultados pelo governo uruguaio, comentou à AFP que se tudo depender do Estado e se não for permitida a venda a turistas "seguirá havendo comércio na rua, o que não soluciona o problema" do mercado negro. Enquanto o governo espera ter pronta a regulamentação da norma em abril de 2014 e o mundo observa, novas lojas especializadas em produtos para o cultivo de maconha ou um banco de sementes local que oferece grãos à espera da legalização mostram que a cultura da maconha é cada vez mais propagada.