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Francisco, um Papa eleito com a missão de salvar a Igreja católica

A popularidade de Francisco, o entusiasmo que causa entre os católicos, gerou "uma nova primavera para a Igreja Católica", segundo teólogos

Agência France-Presse
postado em 23/12/2013 10:25
Papa Francisn acena em oração do Angelus da janela do Palácio Apostólico no Vaticano
O papa Francisco, com sua linguagem e gestos espontâneos, que desconcerta tanto conservadores quanto progressistas, gerou, em apenas nove meses à frente do Vaticano, expectativas de renovação para uma Igreja atingida por escândalos e mergulhada numa das piores crises de sua história.

O ex-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, se tornou em março o primeiro Papa latino-americano e primeiro jesuíta a assumir o Trono de São Pedro, em substituição ao austero Papa alemão Joseph Ratzinger, Bento XVI, que renunciou ao cargo em uma decisão inédita em sete séculos.

Uma "perestroika" na Igreja

O novo pontífice escolheu o nome de Francisco em referência a São Francisco de Assis, o padroeiro dos pobres, e anunciou reformas que muitos comparam à "perestroika" (reestruturação) com que o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, tentou revitalizar e salvar o socialismo nos anos 80.

"Sim, eu diria que essas categorias podem ser usadas: perestroika e glasnot (transparência); é o que Francisco tenta aplicar", afirmou, em conversa com a AFP, o teólogo italiano Vito Mancuso, docente de História das Doutrinas Teológicas. A experiência fracassou na União Soviética, mas, segundo o estudioso, poderá ser bem sucedida em uma instituição sólida, como a Igreja Católica.



As novas orientações se refletem mais na transformação do modo de inserção da milenar instituição no mundo do que em medidas administrativas: menos presença na política, total sobriedade, renúncia a todo tipo de ostentação, transparência na comunicação e, principalmente, maior atenção ao pobres, aos doentes, às pessoas necessitadas, aos desamparados e aos relegados.

"Creio que é um Papa que faz muito com seus atos. Prega como exemplo", afirmou à AFP a jornalista argentina Elisabetta Piqué, autora de "Francisco, Vida e Revolução", um livro que conta os primeiros meses de um pontificado marcado por suas mensagens diretas e simples. "Para mim, estes primeiros meses marcam uma revolução", afirma Piqué, que cobre há vários anos o Vaticano. A mensagem parece ter chegado ao coração dos fiéis.

A popularidade de Francisco, o entusiasmo que causa entre os católicos, gerou "uma nova primavera para a Igreja Católica", segundo Mancuso. Mas, como em toda primavera, "os frutos ainda não podem ser colhidos", adverte.

Francisco ainda deve apresentar resultados

Francisco foi eleito a "Personalidade do Ano" pela revista Time, que ressalta sua capacidade de levar às ruas a mensagem do Papado, e pela revista The Advocate, uma histórica publicação americana dedicada à comunidade homossexual.

Para The Advocate, Francisco deu "o sinal de que não é como o antigo Papa", ao declarar em junho passado: "Se uma pessoa é gay, procura por Deus e tem uma boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". Mas as palavras e os gestos devem ser transformados em mudanças concretas.

Para reformar a desacreditada Cúria Romana (administração central da Santa Sé), ele nomeou uma inédita comissão de oito cardeais, que devem entregar a ele suas recomendações.

A limpeza das polêmicas finanças vaticanas, principalmente do chamado "Banco de Deus", ou seja, o Instituto para as Obras de Religião (IOR), acaba de começar.

"As comissões encarregadas estão trabalhando bem. Estamos no caminho certo. Sobre o futuro do IOR, veremos", admitiu, na semana passada, o Papa em uma entrevista ao jornal italiano La Stampa.

Batalhas em todas as frentes

As batalhas acontecem em todas as frentes: moral, social, econômica e até teológica. No início de dezembro, Francisco criou uma comissão para ajudar as vítimas de padres pedófilos e evitar novos casos, depois dos escândalos que sacudiram a Igreja nos Estados Unidos, América Latina e Europa.

Sua defesa dos imigrantes ilegais, que atravessam o Mediterrâneo arriscando a vida, assim como a firmeza de seu apelo pela paz na Síria, quando parecia iminente um ataque americano, foram classificados como verdadeiros golpes midiáticos.

[SAIBAMAIS]O "efeito Francisco" também alimenta fortes expectativas entre aqueles que esperam mudanças na insistência da hierarquia eclesiástica em condenar o divórcio, o controle de natalidade, o casamento homossexual, a eutanásia e a ordenação de mulheres, entre outras questões.

"O Papa pode renovar a Igreja, mas não pode inventar uma nova Igreja", advertiu o cardeal alemão Walter Kasper, um de seus maiores admiradores, ao alertar que muitos podem acabar decepcionados.

A ausência de confrontação, de condenações lançadas do Trono de Pedro, o espírito de diálogo, os apelos por fraternidade, misericórdia e bondade não implicam necessariamente que a Igreja vá mudar sua doutrina.

Para vários especialistas em assuntos vaticanos, os próximos dois anos serão fundamentais para descobrir o verdadeiro rosto que Francisco quer dar à Igreja e a seu pontificado.

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