Agência France-Presse
postado em 21/01/2014 08:57
A dois dias do início da Conferência Genebra II, que buscar pôr fim à guerra civil na Síria, novos indícios de assassinatos em massa cometidos pelo regime do ditador Bashar Al-Assad podem complicar as negociações de paz. Enquanto a Coalizão Nacional Síria, principal grupo opositor a Damasco, ameaçava se ausentar do encontro, caso o convite feito para que o Irã participe das conversações não fosse retirado, uma equipe internacional de peritos afirmou ter encontrado ;evidências diretas; de um sistema de torturas e assassinatos contra cerca de 11 mil prisioneiros sírios. De acordo com o jornal britânico The Guardian e a rede de tevê CNN, que obtiveram cópias do relatório, as provas podem fundamentar acusações de crimes de guerra contra Al-Assad.Segundo a CNN, o trabalho foi encomendado pelo governo do Catar, que financia grupos rebeldes sírios e pede a deposição de Al-Assad, ao escritório de advocacia britânico Carter-Ruck. O documento, de 31 páginas, foi colocado à disposição das Nações Unidas e de grupos que trabalham em favor dos direitos humanos. O documento foi elaborado por três advogados que atuaram como promotores nos antigos tribunais criminais para a Serra Leoa e para a ex-Iugoslávia. Eles analisaram 27 mil fotografias registradas entre março de 2011 e agosto passado por um desertor do governo sírio, identificado pelo pseudônimo Caesar.
As imagens, cuja veracidade não foi confirmada de forma independente, mostram centenas de corpos com sinais de severa desnutrição, estrangulamento, espancamento e outras formas de tortura. A maioria das vítimas seria de homens com idades entre 20 e 40 anos. O documento também inclui o depoimento de Caesar, que afirma ter registrado fotos de mais de 50 corpos por dia. Segundo o relatório, o desertor atuava fotógrafo na polícia militar síria. Seu trabalho se resumiu à documentação de detentos mortos depois do início do conflito. Caesar diz ter contrabandeado cartões de memória contendo cerca de 55 mil imagens para fora do país com o auxílio do Movimento Nacional Sírio, um grupo rebelde apoiado pelo governo do Catar.
Matadouro
O informante, que fotografava os corpos individualmente, como parte da burocracia do governo sírio, registrou cadáveres amontoados, a fim de mostrar que o cenário se assemelhava a um ;matadouro;. ;Qualquer promotor gostaria desse tipo de evidência. Essa é uma pista direta da máquina de matar do regime;, declarou David Crane, um dos autores do relatório e ex-chefe da promotoria do Tribunal Especial para Serra Leoa, que condenou o ex-presidente liberiano Charles Taylor por crime de guerra. ;É assassinato em massa da era industrial;, acrescenta. A ONU e grupos independentes que trabalham em prol dos direitos humanos já documentaram abusos cometidos por Al-Assad e por rebeldes sírios durante o conflito. Os especialistas do escritório Carter-Ruck, porém, afirmam que as evidências coletadas por eles possuem detalhes e escala maiores do que todas as provas apresentadas até então.
No documento, Caesar relata que os corpos eram catalogados por um complexo sistema numérico, o qual informava a agências de inteligência a identidade da vítima, o local da morte e qual serviço de segurança teria sido o responsável pela suposta execução. As informações seriam utilizadas para forjar documentos atestando a morte das vítimas em um hospital. Segundo o relatório, o fato de que os corpos eram fotografados e catalogados sugere que ;os assassinatos eram sistemáticos, ordenados e dirigidos por uma autoridade superior;.
Desmond de Silva, que também participou da elaboração do relatório, comparou as fotos às imagens de corpos raquíticos de judeus, no Holocausto. ;Elas lembram as cenas daqueles que foram encontrados ainda vivos nos campos de extermínio nazistas, após a Segunda Guerra Mundial;, observou, à rede CNN. ;Essa evidência pode sustentar uma acusação de crime contra a humanidade, sem sombra de dúvida. Claro que não cabe a nós tomar essa decisão. Tudo o que podemos fazer é avaliar as evidências e dizer se elas são capazes de serem aceitas por um tribunal genuíno;, ponderou de Silva.
A Síria viveu ontem mais um dia de violência. Pelo menos 16 pessoas, incluindo seis rebeldes, morreram em um duplo atentado com carros-bomba em Bab Al-Hawa, na fronteira entre Síria e Turquia. O primeiro veículo explodiu perto do posto fronteiriço, e o segundo dentro do estabelecimento, controlado pelos insurgentes.
Dados do relatório
; Os autores do relatório indicam o ;assassinato sistemático; de 11 mil prisioneiros que estavam
em custódia do regime sírio de março de 2011 a agosto de 2013.
; De 150 corpos examinados, 62% mostraram emagrecimento ; redução severa do peso
corporal, com aparência indicando inanição.
A maioria era de homens jovens.
; Alguns tinham sinais de tortura. Outros estavam
com os olhos arrancados; também há cadáveres com sinais de estrangulamento e de choque elétrico.
; Um complexo sistema de numeração também foi usado para catalogar os corpos. Somente os setores de inteligência conheceriam as identidades dos mortos. Segundo os autores do relatório, foi um esforço para manter o controle de quais serviços de segurança foram responsáveis pela morte. Depois, um documento falso seria fornecido,
apontando que o preso morreu no hospital militar, de ;enfarte; ou ;problemas respiratórios;.
; Houve evidências de que um número significativo de presos estavam magros ao extremo,
enquanto uma minoria tinha sido espancada com varas.
; Segundo o relatório, há ;evidência clara, capaz de ser acreditada por um tribunal, de tortura sistemática e assassinato de pessoas detidas pelos agentes do governo sírio. Isso apoiaria descobertas e crimes contra a humanidade e de crimes de guerra contra o atual regime sírio;.