Agência France-Presse
postado em 22/01/2014 15:43
Montreux - O primeiro encontro entre autoridades do regime sírio e opositores no exílio para tentar quebrar o ciclo de violência na Síria foi marcado nesta quarta-feira (22/1) por uma verdadeira guerra de palavras e pela impossibilidade de um acordo sobre o futuro do presidente Bashar Al-Assad. Em meio a acusações de "traição" entre governo e opositores, e um bate-boca entre o secretário-geral da ONU e o chefe da diplomacia síria, a conferência de paz de Genebra II, em Montreux, teve um começo difícil em uma atmosfera tensa.Reunidos à margem do lago Léman, os representantes de 40 países e organizações internacionais não precisaram esperar muito para perceber o enorme fosso entre o regime de Assad e a oposição síria. Em seu discurso de abertura da conferência, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou que, "confrontados com desafios enormes", todos podem contribuir para um novo começo.
"Todos os sírios estão olhando para vocês, reunidos aqui hoje. Você, representantes da oposição e do governo sírio, têm uma enorme oportunidade para acabar com seu sofrimento", insistiu falando diretamente às duas delegações sírias. A Rússia e os Estados Unidos, que lideraram os esforços para organizar a conferência, pediram que o regime sírio e a oposição aproveitem a "oportunidade histórica" representada pela Conferência de Genebra II para acabar com três anos de guerra civil.
O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, alertou que as negociações "não serão simples, nem rápidas". Ele usou um tom mais brando do que o do americano John Kerry, que afirmou que "Bashar Al-Assad não fará parte do governo de transição. De forma alguma, não é possível imaginar que o homem que liderou esta resposta brutal contra seu próprio povo possa recuperar a legitimidade para governar".
[SAIBAMAIS]As negociações, sob mediação do emissário especial da ONU, devem começar sexta-feira em Genebra. Em resposta, o ministro das Relações Exteriores sírio, Walid Mouallem, disse: "Senhor Kerry, ninguém no mundo tem o direito de conceder ou retirar a legitimidade de um presidente, de uma Constituição ou de uma lei, exceto os próprios sírios".
O futuro de Assad, no centro de todos os debates desde o início da contestação em março de 2011, tem pairado sobre a conferência. Russos e americanos e continuam a divergir quanto à interpretação dos princípios estabelecidos em junho de 2012 na Conferência de Genebra I. Os ocidentais exigem um governo de transição sem Assad, uma condição rejeitada pelos russos e sírios pró-regime.
Fazendo eco a John Kerry, o ministro das Relações Exteriores francês, Laurent Fabius, insistiu que a conferência não tem a intenção de falar de "terrorismo", como deseja Damasco, mas de um "governo de transição". Ele também denunciou as "elucubrações longas e agressivas" de Mouallem, que chamou os representantes da oposição de "traidores" e "agentes a mando dos inimigos" da Síria.
Entrando abruptamente na sala de imprensa onde trabalham centenas de jornalistas, o ministro da Informação sírio insistiu que no credo do regime. "Assad não vai sair", disse Omran Al-Zohbi. "Traidores e agentes a mando do inimigo". O discurso de Walid Mouallem também provocou uma discussão com o secretário-geral da ONU.
O ministro sírio, assim como o líder da oposição, tinha dez minutos para falar. Mas depois de 20 minutos de discurso, Ban Ki-moon, decidiu interromper Mouallem, que ignorou os apelos para que concluísse sua fala. "Você vive em Nova York e eu moro na Síria, tenho o direito de contar a versão síria aqui neste fórum", disse Mouallem ao chefe da ONU.
A observação não agradou o secretário, que lembrou ao chanceler sírio após 35 minutos de discurso, que a sua intervenção era contrária ao "clima construtivo" que se tenta criar na conferência. A escolha desta "retórica inflamada" pelo regime sírio foi rapidamente denunciada pela porta-voz do Departamento de Estado americano, Jen Psaki.
Já o chefe da Coalizão de oposição síria, Ahmad Jarba, fez um apelo ao presidente sírio, Bashar Al-Assad, para que entregue seu poder a um governo de transição. "Peço (para a delegação do regime) que assine imediatamente o documento de Genebra I (que prevê) a transferência das prerrogativas de Assad, incluindo as do Exército e da segurança, a um governo de transição", afirmou Jarba.
Resumindo o estado de espírito de muitos participantes na conferência, o ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, considerou que ninguém deve esperar por um "milagre". Ainda assim, a reunião de Montreux certamente deve ajudar a preparar a reunião de sexta-feira na ONU, em Genebra, envolvendo apenas as duas delegações sírias e o enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi. Este deve ser o início de um processo longo, de sete a dez dias de uma primeira etapa, de acordo com um membro da delegação russa, citado pela agência de notícias Interfax.