Agência France-Presse
postado em 31/01/2014 12:39
Tóquio - Quando no dia 15 de janeiro o papa Francisco citou como exemplo a resistência dos cristãos japoneses no século XVII, estava longe de imaginar que dias depois seria anunciada a descoberta de documentos sobre estas perseguições. Estes 10 mil documentos de papel de arroz batizados de "Cartas Marega", pelo nome do padre Mario Marega, que os compilou no sul do Japão no século XX, constituem uma valiosa informação sobre a perseguição dos cristãos na época Edo (1603-1867) e serão estudados durante seis anos."Esta quantidade excepcional de documentos descreve as perseguições e a privação de liberdade religiosa", explica o professor Kazuo Otomo, diretor do Instituto Nacional de Literatura do Japão. Um pesquisador, Delio Proverbio, encontrou estes documentos em 2010.
A partir de 1603 e durante mais de dois séculos, o Japão, por medo de ser colonizado, se fechou ao mundo exterior. Os japoneses não podiam sair do país sob pena de morte e os estrangeiros só estavam autorizados a entrar em alguns locais do arquipélago, sobretudo os holandeses, no porto de Nagasaki. Esta cidade, onde foi lançada a bomba atômica em 1945, abriga um monumento em memória de outros mártires, como os 26 cristãos crucificados em 1597.
A fé cristã, uma ameaça para os "shoguns"
Os shoguns, chefes de guerra do Japão, que eram samurais, acreditavam que a fé cristã constituía um risco para o arquipélago e, consequentemente, ela foi proibida. Muitos dos missionários estrangeiros foram expulsos, os fiéis esconderam alguns e os japoneses convertidos tiveram que renegar sua fé.
Os que se negaram a cumprir as ordens foram torturados e executados. Antes desta decisão, o cristianismo estava em pleno auge, sobretudo no sul. "Alguns destes documentos podem esclarecer como os cristãos conservaram sua fé", estima Rumiko Kataoka, especialista em história cristã da Universidade Católica Junshin de Nagasaki.
Foi a estes mártires e sobreviventes que o Papa se referiu na praça de São Pedro, quando pediu que os "irmãos e irmãs de língua árabe" seguissem o exemplo da "igreja japonesa, que passou para a clandestinidade no século XVII por quase dois séculos e meio". "No Japão, os cristãos seguiram se reunindo em segredo, quando todos os sacerdotes foram deportados e milhares de fiéis morriam". Quando os missionários voltaram, acrescentou o papa Francisco, milhares de fiéis saíram das sombras e surgiu uma Igreja florescente.
Perseguição contada dia a dia
Em meados do século XIX, quando o Japão saiu de seu isolamento, a maior parte dos documentos sobre as perseguições estavam perdidos ou haviam sido destruídos. O padre Marega juntou estes testemunhos únicos quando vivia na ilha meridional de Kyushu, antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Depois levou seus tesouros a Tóquio, e dali à Itália, onde faleceu em 1978.
Estes documentos relatam a vigilância metódica e os atos aos quais os cristãos eram submetidos, que na menor suspeita eram forçados a pisotear imagens de Cristo ou da Virgem Maria. Segundo o professor Otomo, só foram abertos três pacotes de documentos dos vinte existentes.
"É um estudo sobre os cristãos, mas vai além. Pode nos levar a um estudo sobre os intercâmbios culturais e sobre a forma de tratar a liberdade religiosa", explicou. Quando tinha 20 anos, o futuro jesuíta Jorge Mario Bergoglio, agora Papa, queria ser missionário no Japão, mas a retirada de uma parte de um pulmão o impediu. Segundo a conferência episcopal do Japão, este país tinha 444.441 católicos em 2012.