Agência France-Presse
postado em 31/01/2014 20:21
Pequim - Zang se submeteu a choques elétricos nos genitais, enquanto assistia a filmes pornográficos como "tratamento" para a homossexualidade, em um dos procedimentos mais extremos adotados na China para "corrigir" a orientação sexual."Achava que tinha que tentar para ver se havia possibilidade de me tornar uma pessoa normal", declarou este jovem de 25 anos, que preferiu revelar apenas o sobrenome.
Para "não decepcionar sua família", ele optou por este método, um dos mais extremos entre os utilizados na China, onde o amor entre pessoas do mesmo sexo ainda é considerado uma desonra.
"Quando reagia às imagens, levava um choque elétrico", pouco intenso, mas "doloroso", lembra Zhang. Ele mesmo pagou pelas sessões, após chegar à conclusão de que assumir sua homossexualidade era "difícil demais".
Em 2001, as autoridades chinesas retiraram oficialmente a homossexualidade da lista de doenças mentais e, com o passar dos anos, os homossexuais foram se tornando mais aceitos na sociedade, sobretudo entre os jovens e nas grandes cidades.
Mas ainda costumam sofrer forte pressão familiar. Como filhos únicos, acabam se resignando a casar para permitir aos pais ter um neto.
A maioria dos especialistas em Medicina considera que as "terapias de conversão", praticadas em todo o mundo desde o início do século XX por psicanalistas e médicos para "curar" a homossexualidade, são ineficazes e até mesmo perigosas.
Mas esses "tratamentos" continuam se proliferando, de Cingapura ao Reino Unido, dos Estados Unidos à China.
Cinco clínicas chinesas contatadas recentemente admitiram propor soluções "de reajuste da sexualidade", como tratamentos químicos, hipnoses ou choques elétricos.
Em Pequim, o centro de ajuda psicológica Haiming até promove a atividade: "depois de cada choque, o paciente interrompe seus pensamentos e se distancia dos seus fantasmas", explica em sua página na internet.
Essas sessões de 30 minutos, realizadas com alguns dias de intervalo, só são prescrtias "para os casos mais graves", assegurou um membro do pessoal.
"Não é uma doença"
As "terapias de conversão" foram condenadas em 2009 pela Associação de Psicologia Americana, que considera que esse tipo de tratamento pode criar traumas, e pela Organização Mundial da Saúde, para a qual carecem de justificativa médica e são "eticamente inaceitáveis".
Os ativistas chineses tentam passar a mensagem.
Para o Centro LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) de Pequim, esses tratamentos causam "danos graves à saúde física e mental, e pioram a falta de auto-estima".
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Dois ativistas vinculados ao Centro LGBT, uma organização financiada pela embaixada americana e a britânica, colocaram em frente a uma clínica em Pequim um cartaz no qual se lê: "A homossexualidade não é uma doença".
Com a campanha, esperam convencer as autoridades a revogar as licenças destes centros "médicos".
Algumas clínicas dão prioridade ao assessoramento psicológico e à prescrição de antidepressivos, conta Wei Xiaogang, fundador do grupo "Camaradas Queer"
"Queria morrer"
Algumas clínicas contatadas pela AFP consideram que é possível mudar a orientação sexual nas pessoas em que "não seja inata".
Mas os resultados são duvidosos e as sequelas, dolorosas. "Tenho muitos amigos que receberam tratamento, alguns acabaram com depressão", conta Liu Wei, de 21 anos.
Ele mesmo, pressionado pelo pai, visitou um hospital em dezembro para se informar.
Como tratamento, um médico propôs "se machucar com uma borracha pesa ao pulso" quando "começasse a fantasiar vendo filmes", mas admitiu que havia poucas possibilidades de êxito.
Mesmo assim, Liu Wei se propôs a tentá-lo porque as relações com sua família são "muito tensas".
[SAIBAMAIS]No caso de Zhang, o tratamento com choques elétricos ao qual se submeteu há três anos o fez perder a libido e o mergulhou em uma depressão. Segundo ele, depois da terapia vieram a perda do emprego, as dívidas para pagar os gastos médicos e os pensamentos suicidas. "Sentia dor de cabeça, não aguentava mais, só queria morrer, que todo acabasse de uma vez".
No fim, ele se deu conta de que não podia fazer nada para mudar de orientação sexual e revelou sua opção sexual para seu pai. "Ser gay não é tão terrível", diz agora.