Agência France-Presse
postado em 04/02/2014 12:12
Beirute - Um sacerdote jesuíta holandês decidiu permanecer junto aos habitantes sitiados na parte antiga de Homs (centro de Síria), onde já não há comida e a esperança começa a desaparecer. O padre Frans van der Lugt passou quase cinco décadas na Síria, um país ao qual ama profundamente, a ponto de considerá-lo seu, embora tenha nascido na Holanda.[SAIBAMAIS]Apesar de a situação ser terrível em Homs, onde os habitantes lutam diariamente para encontrar comida e cuja população cristã se reduziu a poucas dezenas de pessoas, jamais lhe ocorreu abandonar a cidade. "Eu dirijo um mosteiro. Como poderia deixá-lo? Posso abandonar os cristãos? É totalmente impossível", explicou à AFP, que o contactou através da internet. "O povo sírio me deu tanto, tanta amabilidade, tanta inspiração, e tudo o que possuo. Agora que sofre, devo compartilhar sua dor e suas dificuldades", acrescentou.
O padre Frans chegou à Síria em 1996, depois de passar dois anos no Líbano estudando árabe. Aos 75 anos, seus olhos se iluminam por trás de suas lentes quando fala de seu país adotivo.
Falam de nós, mas não vivem conosco
Os sitiados recolhem tudo o que encontram para se alimentar, mas a situação é desesperadora. "Nós temos muito pouco para comer. As pessoas nas ruas têm rostos amarelados e cansados. Estão fracas e carecem de recursos", disse. O destino deste bairro atacado há mais de 600 dias foi discutido entre o regime e a oposição durante as negociações de paz de Genebra. O regime aceitou deixar as mulheres e as crianças saírem, mas não houve nenhum acordo a respeito dos homens ou sobre a entrada de ajuda a este local.
"Aqui reina a fome, mas as pessoas também têm sede de uma vida normal. O ser humano não é apenas um estômago, também tem coração, e as pessoas precisam ver seus familiares e amigos", insistiu. A parte antiga de Homs foi totalmente destruída e das dezenas de milhares de cristãos que viviam ali, segundo este sacerdote, restam apenas 66. "Eu sou o único padre e o único estrangeiro que restou. Mas não me sinto um estrangeiro, e sim como um árabe entre os árabes", disse sorrindo.
Vive em um mosteiro jesuíta onde uma viúva prepara suas refeições. Faz o que pode para ajudar as famílias mais pobres da vizinhança, sejam cristãs ou muçulmanas. "Eu não vejo as pessoas como cristãs ou muçulmanas. Vejo-as primeiro e, sobretudo, como seres humanos", declarou. As delegações reunidas nos grandes hotéis de Montreux ou Genebra "falam de nós, mas não vivem conosco. Elas deveriam falar do que nós pensamos, e não do que lhes convêm", protestou, referindo-se às negociações de Genebra II entre representantes do regime sírio e da oposição que terminaram sem resultados.
Mas não há sinais de amargura em sua voz, e insiste que tanto o regime quanto a oposição devem encontrar a forma de restabelecer a confiança mútua. "Se a confiança existe, então as negociações podem ser produtivas. Caso contrário, não funcionarão jamais. Não importa se são em Genebra, Paris, Honolulu ou Londres", completou.