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Gosto da esquerda radical latino-americana pelo poder pode ser um risco

Agência France-Presse
postado em 11/02/2014 16:10
Criticados pelo exercício pessoal do poder e por seu desprezo pelos políticos tradicionais, os principais líderes da esquerda radical latino-americana modificaram ou interpretaram suas respectivas constituições para permitir sua reeleição, o que, para os analistas, enfraqueceu as instituições democráticas.

O último capítulo deste fenômeno foi a promulgação pelo ex-guerrilheiro e presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, de uma lei aprovada pelo Parlamento que permite ao governante se reeleger indefinidamente.

"A tendência de relaxar as restrições à reeleição presidencial é associada hoje à esquerda, mas não é patrimônio de uma ideologia", disse durante uma entrevista à AFP Gabriel L. Negretto, professor de Ciência Política no Centro de Pesquisas e Ensino Econômico (CIDE) do México.


"O fenômeno começou com presidentes de direita ou centro-direita" que promoveram "reformas neoliberais", lembra Negretto, embora admita que nos últimos anos essa prática tenha sido habitual entre os "presidentes ;bolivarianos;", ou seja, Hugo Chávez (falecido em 2013), na Venezuela; Rafael Correa, no Equador; e Evo Morales, na Bolívia (ambos eleitos pela primeira vez em 2006), além de Ortega

Sua permanência no poder se dá, em alguns casos, a partir de interpretações muito questionadas de seus respectivos textos constitucionais em vigor, sobretudo na Bolívia e na Nicarágua. Morales, o presidente em exercício que está há mais tempo no poder em toda a América Latina, planeja se candidatar a uma nova reeleição no fim de 2014.

Em Honduras o ex-presidente Manuel Zelaya, ligado a Caracas, foi deposto em 2009 por um golpe de Estado, acusado de querer modificar a Constituição com o objetivo de tentar um segundo mandato.

Na Argentina, também foi levantada a possibilidade de reformar a Carta Magna para que a atual presidente Cristina Kirchner se candidatasse a um terceiro mandato consecutivo. Mas a ideia foi abandonada.

Nos anos 90, vários presidentes liberais ou conservadores, como Alberto Fujimori (Peru), Carlos Menem (Argentina), Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Álvaro Uribe (Colômbia) e outros propuseram, com maior ou menor êxito, flexibilizar as limitações ao número de mandatos presidenciais consecutivos.

Quando, na primeira década do século XXI, a maior parte da América do Sul se voltou para a esquerda, os presidentes bolivarianos voltaram a introduzir o tema após a eleição e do êxito político do primeiro ao chegar ao poder, Hugo Chávez (1999-2013), explica à AFP Mariana Rodríguez, especialista em assuntos latino-americanos da Universidade Vanderbilt de Nashville (Estados Unidos).

"A manutenção da reeleição não consecutiva ou a adoção de regras mais restritas ainda, como a não reeleição", durante a última onda democratizadora que se seguiu às quedas das ditaduras dos anos 70 e 80 e ao fim das guerras civis na América Central "foram uma reação aos males associados ao continuísmo presidencial, tanto em ditaduras quanto em regimes em que havia alternância de poder", lembra Negretto.

"Antidemocrática"

Entre os presidentes latino-americanos eleitos democraticamente, o que exclui Cuba, os únicos que alteraram a Constituição para permitir a reeleição indefinida de seus presidentes foram Hugo Chávez (através de um referendo 2009) e Daniel Ortega, neste ano. Chávez, no entanto, também introduziu a possibilidade de revogar o mandato do presidente através de um referendo após a metade do período.

Segundo Gabriel Negretto, "a reeleição presidencial indefinida é claramente retrógrada e antidemocrática", e é facilitada pela "fraqueza das instituições e dos partidos políticos", assim como "pela fragmentação da oposição".

Mariana Rodríguez destaca a ironia de que sejam utilizados "métodos autoritários para tentar criar um sistema mais democrático". A especialista argumenta que este problema é inerente à ideia populista de "democracia direta, que sustenta que o povo desempenha o papel de protagonista contra a elite política e econômica".

Defensores desse tipo de democracias "diretas", em oposição às democracias representativas, estes líderes populares justificam suas práticas com o argumento de que "seu poder deriva principalmente da vontade popular, e não das representações institucionais", declara à AFP Federico Barrica, do centro de análises londrino Economist Inteligence Unit.

Patricio Navia, docente na Universidade de Nova York, também destaca os riscos que essas práticas representam para as instituições e a contradição que existe entre os objetivos alegados - representar e defender o povo - e os meios empregados - a concentração do poder. "Falam de democracia, mas é uma democracia personalista, não institucional", opina.

Sejam de esquerda ou de direita, esses líderes "compartilham seu desdém pelas instituições democráticas e sua preferência pela personalização e concentração do poder nas mãos do presidente, o que evidentemente enfraquece as instituições democráticas", argumenta Navia.

Outros, como Barrica, também apontam para a possibilidade de esses governos caírem se as condições econômicas se deteriorarem e se deixarem de dispor dos recursos para manter suas políticas sociais ou clientelistas.

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