Mundo

EUA e Venezuela, uma conflituosa relação de necessidade mútua

Na última segunda-feira (17/2), a Venezuela expulsou três funcionários consulares dos Estados Unidos

Agência France-Presse
postado em 19/02/2014 20:15
Washington - A nova crise diplomática entre Caracas e Washington, em paralelo aos protestos da oposição venezuelana, ressalta a tensa relação bilateral da era chavista, sustentada apenas por mútuas necessidades comerciais, disseram analistas consultados pela AFP na terça-feira (18/2).

"Há tremendos problemas políticos na Venezuela, e o mais fácil para o governo venezuelano é sacar a carta anti-imperialista-nacionalista", disse à AFP o professor Erick Langer, do Centro de Estudos para a América Latina da Universidade Georgetown.

Na segunda-feira, a Venezuela expulsou três funcionários consulares dos Estados Unidos, acusando-os de se reunirem com os estudantes que têm promovido os gigantescos protestos das últimas duas semanas. Washington disse que pretende reagir.

[SAIBAMAIS]"Que vão conspirar em Washington", disse no domingo o presidente Nicolás Maduro, denunciando os Estados Unidos de "legitimarem uma tentativa de desestabilizar a democracia venezuelana".

Para analistas, assim como seu padrinho político, o falecido presidente Hugo Chávez, Maduro usa o "inimigo" do Norte para desviar a atenção da crise econômica e da criminalidade galopante que germinaram as manifestações - as maiores desde que Maduro chegou ao poder há dez meses.

"Estão voltando para sua narrativa central. À medida que a crise avança, devem mostrar que não é o povo que levanta contra sua incompetência econômica, mas que é um complô financiado no exterior", afirmou Ray Walser, do conservador Americas Forum.

"Uma forma de ver como o governo de Maduro vai bem é ver o que dizem sobre os Estados Unidos", ironizou o professor Langer.

Na terça-feira, a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, disse que as acusações contra os Estados Unidos são desvios que "refletem uma falta de seriedade da parte do governo da Venezuela para se encarregar da grave situação que enfrenta".

Não querem um mártir

Para Walser, as acusações e as expulsões de diplomatas "apenas vão aprofundar a divisão entre Estados Unidos e Venezuela", sem embaixadores desde 2010, e antagonistas no plano regional e internacional desde a presidência de Chávez (1999-2013).

A Venezuela é o principal obstáculo para a política estratégica e diplomática do governo de Barack Obama na região, enquanto Caracas acusa Washington de se comportar como um "império". Enquanto a Casa Branca se alia com países afins, como Colômbia ou México, a Venezuela lidera o foro antiamericano da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Apesar das tensas relações, os Estados Unidos continuam sendo o principal cliente do petróleo da Venezuela, um país monoprodutor com as maiores reservas mundiais de cru, do qual compra 900 mil barris.

Leia mais notícias em mundo

Por intermédio de sua filial CITGO, a estatal PDVSA possui três refinarias e mais de seis mil postos de gasolina nos Estados Unidos, de onde são vendidos milhares de produtos para empresas venezuelanas.

"É uma grande contradição" que mantém a distância uma ruptura total das relações, afirmou Langer.

Segundo o analista, as discrepâncias são "antes de tudo simbólicas" e o efeito político, ou econômico do bloco antiamericano liderado pela Venezuela é mínimo para os Estados Unidos.

"O governo americano calculou que é de seu maior interesse e do de seus cidadãos continuar recebendo petróleo venezuelano mais do que sancionar a Venezuela", afirmou Langer. "Não querem fazer a Venezuela de mártir", explicou.

Série de expulsões

A origem dos conflitos remonta a 2002, quando um golpe de Estado - que teria contado com apoio americano segundo Caracas - afastou Chávez do poder brevemente.

De forma inesperada, Chávez e Obama se apertaram as mãos na cúpula das Américas, em abril de 2009. Um ano depois, porém, o embaixador indicado para a Venezuela deu declarações que irritaram o presidente venezuelano, que o rejeitou antes mesmo que o diplomata chegasse a Caracas.

As tensões aumentaram e, em 5 de março, pouco antes de anunciar a morte de Chávez, Maduro ordenou a saída de dois adidos militares americanos, rompendo os desejos antecipados pelo Departamento de Estado de relançar os vínculos, afirmam analistas.

Apesar das tentativas de aproximação, Caracas deu esse movimento por encerrado de vez em julho, depois das críticas à Venezuela feitas pela agora embaixadora de Washington na ONU, Samantha Power.

No final de setembro, Maduro ordenou a expulsão de outros três diplomatas americanos, entre eles a encarregada de negócios. O trio foi acusado por Maduro de conspirar com a oposição.

Essas medidas não evitaram as críticas regulares de Washington, ao que considera uma perseguição à oposição política e à imprensa nesse país sul-americano.

Nos Estados Unidos, "há preocupação com a estabilidade de um vizinho que tem impacto em importantes aliados, particularmente a Colômbia", ressaltou Walser.

Esse interesse engloba temas de segurança, narcotráfico, ou os vínculos de Caracas com Havana e com Teerã, mas "os Estados Unidos não vão, realmente, envolver-se na crise atual. Embora mantenha os olhos atentos a tudo que acontece", afirmou Walser.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação