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Putin defende que direito da Crimeia a se anexar à Rússia é crescente

Já Merkel insistiu com Putin que o referendo previsto na Crimeia para o próximo domingo é ilegal

Agência France-Presse
postado em 09/03/2014 14:48
Kiev - O presidente russo Vladimir Putin afirmou que as autoridades pró-russas da península ucraniana da Crimeia, que devem organizar um referendo no dia 16 de março para pedir sua anexação à Rússia, são "legítimas", anunciou neste domingo o Kremlin.

Durante conversas telefônicas com a chanceler alemã Angela Merkel e o premiê britânico David Cameron, Putin "ressaltou que as medidas adotadas pelas autoridades legítimas da Crimeia estão em conformidade com o direito internacional e visam proteger os interesses legítimos da população", informou o Kremlin em um comunicado.

Já Merkel insistiu com Putin que o referendo previsto na Crimeia para o próximo domingo é ilegal. "A chancelaria expressou com firmeza a posição alemã que afirma que o suposto referendo de 16 de março sobre a Crimeia é ilegal", afirmou, em um comunicado, Steffen Seibert, porta-voz de Merkel.

E, segundo Londres, o presidente russo assegurou a David Cameron seu desejo "de encontrar uma solução política diplomática para a crise" e declarou que conversará com seu chanceler Serguei Lavrov para a criação de "um grupo de contato".

Neste contexto, um parlamentar russo anunciou que Moscou prevê um empréstimo de 790 milhões de euros à província da Crimeia.

"O governo russo analisa um grande orçamento, de 40 bilhões de rublos, em apoio ao desenvolvimento das infraestruturas econômicas e industriais na Crimeia", assegurou Pavel Dorojín.

- Shevtchenko contra Lênin -


Essas conversas acontecem em meio a protestos organizados por ocasião do 200; aniversário de nascimento do poeta e símbolo da independência ucraniana Taras Shevtchenko, enquanto que aqueles a favor de uma anexação à Rússia se reuniram em frente a uma estátua de Lênin para expressar sua opinião.

Manifestantes partidários da Rússia entraram em confronto com pró-ucranianos neste domingo em Sebastopol, uma cidade da península da Crimeia, enquanto milhares de pessoas participaram de um protesto em Kiev pela soberania do país.

Em Sebastopol, cerca de 100 homens armados com pedaços de madeira atacaram agentes que faziam a segurança de manifestantes ucranianos que comemoravam o 200; aniversário do poeta Taras Shevchenko.

Eles destruíram um veículo e bloquearam os serviços de ordem, acusados de pertencer ao Pravy Sector, um movimento nacionalista paramilitar na linha de frente da contestação em Kiev.

Duzentas pessoas com bandeiras ucranianas participaram deste protesto em frente ao monumento de Shevchenko, no centro de Sebastopol, na península separatista da Crimeia, ocupada desde o final de fevereiro por forças pró-russas.

Já em Kiev, Mikhail Khodorkovsky, o adversário do Kremlin que passou uma década na prisão, afirmou na Praça da Independência que a Rússia conspirou com o deposto regime ucraniano nas violências que deixaram cerca de cem mortos.

"As pessoas me contaram o que as autoridades fizeram aqui. Eles fizeram isso com o consentimento dos dirigentes russos", afirmou emocionado o ex-magnata petroleiro em um palanque colocado na emblemática praça Maidan.

"Estive a ponto de chorar. Isso é aterrador. Esses não são meus líderes. Quero que vocês saibam que há uma Rússia diferente", acrescentou Khodorkovsky, que outrora foi o homem mais rico de seu país.

O primeiro-ministro interino Arseni Yatseniuk, por sua vez, afirmou que a Ucrânia não cederá "nenhum centímetro de seu território" para a Rússia.

"É nossa terra. Não cederemos nenhum centímetro. Que a Rússia e o seu presidente saibam disso", declarou durante uma manifestação em homenagem ao poeta Shevchenko, símbolo da independência da Ucrânia.

Ele considerou que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que defendeu a integridade territorial da Ucrânia quando esta ex-república soviética renunciou em 1994 ao seu arsenal nuclear, fariam o possível "para preservar a independência da Ucrânia". Além disso, Yatseniuk anunciou que viajará esta semana aos Estados Unidos para discutir uma saída para a crise na Crimeia.

"Quarta-feira, será meu adjunto que presidirá o conselho de ministros porque eu irei aos Estados Unidos para discutir a situação na Ucrânia".

O presidente interino Olexandre Turtchinov ressaltou, por sua vez, que a famosa frase de Taras Shevchenko - "Lutem e triunfarão" - se tornou o slogan das novas autoridades ucranianas.

Milhares de pessoas se reuniram em frente à estátua de Shevchenko, escritor que denunciou no século XIX a opressão do Império russo contra o povo ucraniano.

A manifestação na capital continuou com um show em Maidan, a praça da Independência e palco dos protestos que levaram à destituição do presidente Viktor Yanukovytch, em 22 de fevereiro.

Ao mesmo tempo, 10.000 partidários de uma anexação à Rússia manifestaram em Donetsk, no leste industrial e de língua russa da Ucrânia, aos pés de uma estátua de Lênin.

Essas manifestações ocorrem no dia seguinte a uma tentativa frustrada de 54 observadores internacionais da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) de entrar na Crimeia.

- Erro de cálculo -

Na frente diplomática, apesar das intensas consultas ao longo da semana passada, ocidentais e russos não conseguiram chegar a uma saída para a prior crise em suas relações desde o fim da União Soviética, em 1991.

Para o chefe da diplomacia britânica, Willian Hague, a intervenção militar russa na Crimeia "é um erro de cálculo" de Moscou.

Em uma entrevista neste domingo à BBC, Hague advertiu a Rússia para possíveis "consequências econômicas consideráveis", caso não haja uma saída diplomática para a crise.

"É falso concluir que a Rússia venceu. Acredito que com o tempo, veremos que tudo isso não passa de um erro de cálculo" da parte de Moscou, declarou, considerando que "as consequências a longo prazo serão muito sérias".

Neste sentido, o presidente de Estados Unidos, Barack Obama, o premiê britânico, David Cameron, o italiano Matteo Renzi e o presidente francês François Hollande também reiteraram "a grande preocupação com a clara violação do direito internacional pela Rússia", segundo a Casa Branca.

"Por falta de progressos", França e Estados Unidos analisam sanções "que afetariam consideravelmente as relações entre a comunidade internacional e a Rússia, algo que não convém a ninguém", indicou a presidência francesa.

No sábado, a Rússia anunciou que analisa a possibilidade de suspender as inspeções estrangeiras de seu arsenal de armas estratégicas, incluindo mísseis nucleares, em respostas às ameaças dos Estados Unidos e da Otan.

O secretário-geral da Aliança Atlântica, Anders Fogh Rasmussen, em entrevista a um jornal alemão, afirmou que a Otan apoia plenamente a Ucrânia e que espera que a Rússia "cumpra com seus compromissos internacionais".

"No mapa da Europa do século XXI, ninguém deve tentar traçar novas fronteiras", enfatizou o secretário-geral da Otan.

Além disso, Barack Obama deverá se reunir com o novo premiê ucraniano na quarta-feira, na Casa Branca, para tentar achar uma solução pacífica para a crise na Crimeia.

- Reforços russos na Ucrânia -

Sinal de que as forças russas estão longe de se retirar da Crimeia, sessenta caminhões militares russos entraram na Ucrânia por terra e mar, de acordo com os guardas de fronteira da Ucrânia.

O general Mykola Kovil informou recentemente que 30.000 soldados russos estavam na Crimeia, o que significa 5.000 a mais do que o permitido pelos acordos de contingente entre Moscou e Kiev.

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Os guardas de fronteira relataram um ataque sábado à noite pela forças pró-russas contra uma base militar usada para monitorar o tráfego marítimo, onde equipamentos foram danificados.

Com a deterioração do clima na Crimeia, os jornalistas ucranianos e estrangeiros, acusados de servirem aos interesses das grandes potências, têm sido alvos de militantes pró-russos e muitos deles foram atacados nos últimos dias.

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