Agência France-Presse
postado em 15/03/2014 18:48
Damasco - O conflito na Síria, que já deixou mais de 146.000 mortos, entra neste sábado (15/3) em seu quarto ano e sem uma solução à vista, com o presidente Bashar al-Assad agarrado ao poder e a oposição, dividida, perdendo espaço.Três anos de combates e bombardeios levaram mais de nove milhões de pessoas a fugir e destruiu o país, mergulhado numa grande crise humanitária na qual as crianças são as principais vítimas.
Em comunicado emitido pela ONU em parceria com ONGs, uma geração inteira de sírios pode estar "perdida para sempre", já que a guerra civil tem privado as crianças de cuidados básicos, educação e segurança.
Segundo a Unicef, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) e três ONGs, 5,5 milhões de crianças sofrem "o efeito devastador" do conflito.
[SAIBAMAIS]Os organismos também reclamam a aplicação de uma resolução votada pelo Conselho de Segurança da ONU em fevereiro, que pede às partes em conflito que autorizem a entrada de ajuda humanitária e todo o país.
Cerca de 30 artistas britânicos, entre eles o ator Hugh Grant, o cineasta Ken Loach e o cantor Sting, também pediram para que a ONU trabalhe em favor dos civis.
Um apelo lançado pela Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA) chama atenção especialmente para o destino dos 20.000 habitantes do campo palestino de Yarmuk, nos arredores de Damasco, cercado pelo exército, onde 128 pessoas morreram de fome desde o ano passado, segundo a Anistia Internacional.
A revolta contra o regime no poder nasceu algumas semanas após a deposição dos ditadores tunisiano e egípcio. No início sob a forma de protestos pacíficos, que ocorreram nos dias 15 e 16 de março de 2011 após a detenção de dois jovens acusados de fazer pichações contrárias ao governo.
Diante da repressão implacável, a revolta se militarizou a partir do verão (no hemisfério norte), até se converter em um confronto entre o governo e a oposição, uma autêntica guerra civil em fevereiro de 2012 com o bombardeio de Homs (centro).
Neste sábado, duros combates foram registrados em Yabrud, importante reduto rebelde na província de Damasco. Segundo uma fonte militar síria, "13 chefes rebeldes que dirigiam as operações morreram".
A ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH) também relatou, mais cedo, que "combates acalorados" foram registrados na entrada leste de Yabrud "entre rebeldes libaneses e o regime, acompanhados de bombardeios intensos de helicópteros do regime".
Yabrud vem sendo palco, há várias semanas, de confrontos entre o exército e o grupo libanês Hezbollah. A cidade é o último polo de grande importância na região de Qalamun tomado pelos rebeldes.
Fortalecido especialmente por suas últimas vitórias no local, o presidente Bashar al-Assad não dá sinais de que deixará o poder tão cedo.
;Barbárie inédita;
Um sinal de que o regime não está disposto à reconciliação é a lei que o Parlamento sírio votou na sexta-feira, que abre caminho para a reeleição de al-Assad e exclui os opositores do exílio como candidatos nas eventuais próximas eleições presidenciais.
Segundo o mediador internacional para o conflito, Lakhdar Brahimi, a decisão atrapalha as negociações de paz.
Após 14 anos no poder, ele ainda não anunciou oficialmente sua intenção de brigar por um terceiro mandato, mas em janeiro afirmou em uma entrevista à AFP que há grandes chances de que se candidate. A França disse que uma eventual reeleição de Assad seria "grotesca".
Ainda não foi fixada uma data concreta para a consulta, mas os eleitores devem ser convocados às urnas entre 60 e 90 dias depois do fim do mandato atual de Assad, no dia 17 de julho
O regime de Assad se fortaleceu nos últimos meses com a divisão cada vez mais acirrada entre a oposição.
Mas nenhum dos protagonistas - nem Damasco, apoiada pela Rússia e pelo Irã, nem a oposição, apoiada por Riade e Doha - parecem ter meios para levar uma vitória militar.
"A despeito da barbárie inédita e apesar de sua imensa superioridade militar, uma coisa é certa: al-Assad não conseguiu esmagar a revolução. Ele nunca conseguirá", declarou o chefe da oposição, Ahmad Jarba, numa mensagem publicada pelo jornal francês Le Monde.
"Chegou a hora do mundo ajudar os sírios a saírem de seu isolamento. É preciso dar-lhes os meios de lutar contra Bashar al-Assad e os jihadistas provocados por ele", disse Jarba.
"Nossos combatentes não só enfrentam as forças do regime e seus aliados, como também lutam contra mercenários terroristas, especialmente pertencentes ao Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL), que trabalham para o regime", lamentou Jarba, num discurso feito em Istambul, sede da Coalizão.
Impasse total
No campo diplomático, o impasse também parece total.
O fracasso das negociações de Genebra em janeiro e fevereiro - que colocaram pela primeira vez cara a cara representantes do regime e da oposição - diminuiu as esperanças diplomáticas, mesmo que as chancelarias ocidentais não admitam.
O embaixador do Vaticano na Síria, núncio Mario Zenari, pediu que a comunidade internacional tente retomar o diálogo "de formas diferentes".
Em Londres, mais de mil pessoas caminharam até Downing Street, sede do governo britânico, para denunciar a passividade da comunidade internacional. Na capital italiana, cerca de 3.000 sírios que apoiam a oposição fizeram um ato no centro da cidade contra o regime de al-Assad.