Kiev - O governo da Ucrânia adotou nesta quarta-feira um projeto de descentralização, uma ideia apoiada pelos países ocidentais, mas distante do federalismo que, segundo a Rússia, garantiria a proteção das populações de língua russa, na véspera de novas negociações sobre o fornecimento de gás russo.
O governo interino adotou o princípio de uma descentralização do poder e de uma extensão importante do poder das coletividades locais, segundo um comunicado divulgado no site governamental.
Essa reforma permitirá "conciliar os interesses das comunidades nacionais e locais", explica o texto, no momento em que Moscou enviou milhares de tropas para a fronteira oriental da ex-república soviética, perto de regiões onde vive uma importante população de língua russa que o presidente Vladimir Putin prometeu defender "a qualquer preço", levantando os temores de uma invasão russa.
Concretamente, os governadores regionais, atualmente nomeados pelo poder central, serão eleitos por assembleias regionais. Os representantes do governo central terá, por sua parte, apenas um poder de controle.
O governo apresentará em breve os textos de lei correspondentes depois do que serão organizadas eleições regionais, segundo o vice-primeiro-ministro responsável pelo desenvolvimento regional, Volodimir Groisman.
Desde a destituição do ex-presidente Viktor Yanukovytch, no final de fevereiro, após negar uma aproximação com a Europa em favor de um alinhamento com o Kremlin, tensões surgiram em regiões de língua russa do país, culminando com a anexação pela Rússia no mês passado da península da Crimeia.
Na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov lançou a ideia de uma "federalização" da Ucrânia como base para um possível compromisso, para "proteger os direitos daqueles que vivem na Ucrânia, e, principalmente, a população russa".
As autoridades de transição da Ucrânia acusaram Moscou de querer dividir ainda mais o país, que já perdeu de fato a Crimeia. O ministério das Relações Exteriores pediu novamente nesta Moscou "a não interferir nos assuntos internos" do país.
A proposta de "descentralização" lançada por vários países ocidentais e retomada pela Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), surge às vésperas de negociações em Moscou sobre o fornecimento de gás russo, que a Rússia fez de arma em seu confronto com Kiev.
A Ucrânia consome 50 bilhões de m3 de gás por ano, 30 bilhões dos quais compra da Rússia. Pelos gasodutos ucranianos também transitam 65 bilhões de m3 dos 133 bilhões que a UE compra da Rússia, segundo dados da Comissão europeia.
Na terça-feira, a empresa russa Gazprom anulou o importante desconto do preço do gás que concedia ao país. A Gazprom havia concedido em dezembro uma redução no preço do gás fornecido ao governo do então presidente pró-Moscou Viktor Yanukovytch, que foi destituído em fevereiro pelo Parlamento e substituído por um governo pró-Ocidente.
O fim do desconto representa um aumento de mais de um terço no preço do gás, que passará a custar 385,5 dólares os 1.000 metros cúbicos, anunciou o presidente da Gazprom, Alexei Miller.
Quinta-feira, o diretor do grupo ucraniano Naftogaz, Andri; Kobolev, deve discutir com Alexe; Miller sobre a ameça de uma dívida de 1,7 bilhão de dólares e sobre um aumento dos preços.
Sobre esta questão, a União Europeia e Estados Unidos prometeram ajudar a Ucrânia a lidar com a escassez de energia e expressaram inquietação pelo que consideram o uso por Moscou da "arma energética".
"Nenhum país deveria utilizar a energia para impedir as aspirações da população. Não deveria ser usada como uma arma", declarou o secretário americano de Estado, John Kerry.
Denunciando uma "violação do direito internacional", o primeiro-ministro ucraniano Arseniy Yatsenyuk disse nesta quarta-feira, durante um fórum econômico em Kiev, que espera um novo aumento, dizendo com fatalismo: "esta é a situação em que vivemos".
Por sua vez, o bilionário ucraniano Petro Poroshenko, favorito nas pesquisas para a eleição presidencial de 25 de maio, declarou ao jornal alemão Bild para que os países boicotem o gás russo, o que "colocaria economicamente a Rússia de joelhos".