Agência France-Presse
postado em 13/06/2014 13:10
O secretário americano de Estado, John Kerry, encerrou nesta sexta-feira (13/6) a conferência internacional contra a violência sexual nas guerras organizada pela atriz Angelina Jolie exigindo que este crime fique relegado "à Idade Média e aos livros de história".
Os quatro dias da primeira grande reunião internacional sobre este tema terminaram com a proposta de um protocolo para acabar com a impunidade que o cerca.
"Podemos conseguir isso", disse John Kerry, que se disse "envolvido neste combate a título pessoal, enquanto veterano de guerra e pai de duas filhas".
Em um discurso diante de representantes dos 123 países participantes, o secretário de Estado se referiu aos objetivos formulados pelo protocolo elaborado por iniciativa de Jolie e do copresidente da reunião, o ministro das Relações Exteriores britânico William Hague.
A atriz, embaixadora da boa vontade do Alto Comissariado da ONU para os refugiados, que foi acompanhada por seu companheiro, o também ator Brad Pitt, disse ter feito todo o possível para tirar das sombras uma causa que defende há anos.
"Não erradicaremos este mal da noite para o dia, isso é apenas o início, mas agora sabemos exatamente o que precisa ser feito", explicou a atriz nesta sexta-feira.
O protocolo, um documento de 146 páginas traduzido a várias línguas, foi apresentado na quarta-feira.
Tolerância zero
O texto ressalta a tolerância zero diante da violência sexual e na ajuda às vítimas, que, mais do que ser reconfortadas, frequentemente são condenadas ao ostracismo inclusive por suas próprias famílias.
Angelina Jolie lembrou que o número de condenações por estupros em zonas de guerra é irrisória.
Por exemplo, apenas 60 pessoas foram julgadas na Bósnia pelos estupros - de 20.000 a 50.000 - cometidos na guerra no início dos anos 1990.
Na República Democrática do Congo (RDC), onde a cada dia 36 mulheres e meninas são estupradas, na Colômbia, no Afeganistão e em outros lugares as dificuldades são as mesmas.
"É o cerne do problema", declarou à AFP Georges Kuzma, especialista em questões judiciais da ONG "Physicians for Human Rights" (Médicos pelos Direitos Humanos). "Porque antes de perseguir os culpados, é preciso saber investigar e documentar. E nesta frente há dois obstáculos: o fato de os países envolvidos serem países jovens em nível institucional. E o fato de que muitas vezes não têm orçamento ou logística".
Para além das promessas e dos acordos, a conferência teve um primeiro benefício: liberar a palavra em certos países nos quais o tema foi ignorado ou dissimulado durante muito tempo.
"Como mulher, é difícil falar quando se viveu uma violência física semelhante. Mas vir aqui e ver tanta gente se interessar por este tema me dá uma força incrível. É algo que não havia sentido antes. É uma força que vem do fundo do coração e se alimenta da sede de justiça", explicou à AFP a jornalista investigativa colombiana Jineth Bedoya Lima, do jornal El Espectador, estuprada por paramilitares em 2000.
"Há cinco anos, não se falava deste assunto", declarou o médico congolês Desiré Munyali, cirurgião infantil e médico forense, que trabalha no hospital de Panzi, em Kivu do Sul (leste), para ajudar as mulheres estupradas.
"As pessoas preferiam se esconder, inclusive negar ajuda. O governo, talvez por vergonha ou por cumplicidade, não queria nem mesmo falar disso. Mas hoje estão aqui, em Londres, falarão e acredito que tomarão decisões. É a nossa esperança".