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Desejo de glória leva jovens britânicos muçulmanos a se alistarem à jihad

Muitos jovens procuraram alistamento no jihad após assistirem o vídeo que mostra a decapitação do fotógrafo James Foley pelas mãos de um carrasco com sotaque inglês

Agência France-Presse
postado em 21/08/2014 13:04

Londres - O conceito de glória do martírio e a clássica revolta juvenil em relação aos valores da sociedade levam os britânicos muçulmanos a se alistar à jihad, afirmam analistas após a decapitação do fotógrafo James Foley pelas mãos de um carrasco com sotaque inglês.

O assassinato afundou o Reino Unido em uma reflexão sobre como o país acabou exportando jihadistas à Síria e ao Iraque, para as fileiras da organização Estado Islâmico, e o que ocorrerá quando eles voltarem para casa.

Os especialistas consultados pela AFP destacam que é preciso somar aos típicos sentimentos adolescentes o fato de se tratar de jovens da segunda ou terceira geração de famílias imigrantes, e que as perspectivas de melhoria de vida não são tão fortes quanto as de seus pais, algo que contrasta com a aventura oferecida pela jihad.

"Como geração, este é um grupo que não terá tanto sucesso quanto seus pais", explicou Erin Marie Saltman, uma analista da Quilliam, uma organização que estuda os movimentos radicais.

"É um grupo que passa maus momentos, especialmente em um mundo globalizado no qual acredita-se que as identidades são cada vez mais fluidas" e contam menos.

"Alguns preferem as estruturas e são mais vulneráveis aos grupos que prometem o martírio, no qual você se converte em uma figura épica, parte de um projeto para salvar o mundo".

Um ex-responsável de antiterrorismo do MI6, a agência britânica de espionagem no exterior, Richard Barrett, disse em junho à BBC que o número de britânicos que viajaram à Síria e ao Iraque "pode ser de 500 agora".

Barrett fez estas declarações após a divulgação de um vídeo do Estado Islâmico solicitando voluntários e que era protagonizado por vários jovens britânicos.

"O problema é que não sabemos quais voltam com a intenção de retomar suas vidas antigas e quais voltam muito radicalizados", explicou.

O mito do martírio

Afzal Ashraf, especialista em ideologias terroristas do Royal United Services Institute (RUSI), disse que entre os jihadistas há "um número significativo de membros de gangues e criminosos que se converteram à fé e se radicalizaram na prisão".

Simultaneamente, a ira pelos acontecimentos que cercam os muçulmanos no mundo também tem um papel.

"Na Guerra Civil espanhola havia poetas como Laurie Lee, Ernest Hemingway e outros que, como jovens, se indignavam com a opressão", explicou.

"É um sentimento parecido, que os muçulmanos são oprimidos pelos governos ocidentais ou por seus governos clientelistas no Oriente Médio".

Ashraf minimizou a ameaça que seu retorno significa porque, de fato, muitos estão seduzidos "pela narrativa mítica do martírio" e não têm nenhuma vontade de voltar.

O fato de o assassino de Foley ser um inglês não significa que os britânicos sejam mais selvagens que o resto, disse Erin Marie Saltman, mas que são usados para propaganda.

"Foi uma decisão deliberada, uma vítima americana e um jihadista britânico. Quando vemos um indivíduo criado no que consideramos uma sociedade democrática civilizada, nos choca mais", declarou.

Grupo de perdedores

A normalidade dos potenciais jihadistas ficou em evidência recentemente quando Muhammad Hamidur Rahman, de 25 anos, ex-funcionário da rede de lojas de vestuário Primark, morreu a serviço do Estado Islâmico.

Estes jovens, como qualquer outros, lançam suas experiências nas redes sociais, como Madhi Hassan, de 19 anos, que publicou uma foto com um pote de Nutella, o creme de avelã, para convencer os potenciais voluntários de que nada faltará a eles.

Abdel-Majed Abdel Bary, de Londres, divulgou recentemente uma foto com a cabeça de uma vítima e uma piada: "relaxando com meu colega, ou o que resta dele".

[SAIBAMAIS]Até agora 69 suspeitos de ter participado no conflito sírio foram detidos em seu retorno ao Reino Unido.


"Há um mês, teria te dito que o número de voluntários procedentes do Reino Unido estava caindo, mas há mais chances de que as pessoas se somem à causa vencedora. E agora o Exército Islâmico é uma causa vencedora", disse.

Ashraf discordou: "Provocaram mal-estar no mundo muçulmano e são, no sentido estrito do termo, um grupo de perdedores".

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