Agência France-Presse
postado em 16/09/2014 12:24
Genebra - O aumento da ameaça jihadista na Síria ressalta a necessidade de o governo e a oposição encontrarem um compromisso para acabar com três anos e meio de conflito, insistiu nesta terça-feira (16/9), nas Nações Unidas em Genebra, o presidente da Comissão Internacional de Inquérito sobre a Síria."O conflito sírio não será resolvido no campo de batalha", afirmou o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro. "Estamos em um momento crítico do conflito. Enquanto o imenso sofrimento há tempos nos faz apelar por uma ação diplomática, o surgimento do Estado islâmico (EI) reforça a necessidade de o governo e os principais movimentos de oposição encontrarem um terreno comum e se comprometerem com uma solução política para a guerra", declarou perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Dizendo estar sem mais palavras para descrever os horrores do conflito, ele denunciou mais uma vez o fracasso da comunidade internacional, que "tem permitido às partes em conflito agir com impunidade e alimentar a violência que consome toda a Síria". "O mais novo beneficiário desta situação é o EI", destacou.
Nos últimos dois meses, o EI, designado em agosto como um grupo terrorista pelo Conselho de Segurança da ONU, "executou publicamente civis, combatentes rebeldes e soldados do governo, cometeu massacres e executou centenas de soldados capturados em Ar Raqqah, e centenas de pessoas do clã Al Sheitat em Dair Az-Zawr", declarou Pinheiro.
"O EI e os grupos rebeldes armados não são, no entanto, os únicos agentes de morte e de destruição na Síria. O governo sírio continua a ser responsável pela maioria das mortes de civis, matando diariamente centenas deles em seus bombardeios, em seus postos de controle e centros de interrogatório", considerou o chefe da Comissão de Inquérito, que atualizou o seu relatório em agosto passado.
Para apoiar suas afirmações, a Comissão de Inquérito apresentou ao Conselho doze testemunhos de vítimas recentemente reunidos de um total de 3.200 que recolheu durante seus trabalhos.
Um dos depoimentos, coletado em 15 de agosto, é o de um jornalista da oposição síria, sobrevivente de uma prisão do EI em Aleppo. Este jornalista, cujo nome não foi divulgado para a sua segurança, foi detido e torturado três vezes pelo regime em 2011 e 2012, antes de ser detido em sua casa em novembro de 2013 por cinco membros do EI por seus escritos contra os jihadistas.
Ele foi colocado em um antigo hospital em Qadi Askar em uma cela no porão com outras 40 pessoas. O hospital tinha ao todo 12 celas, com entre 40 e 50 pessoas consideradas como opositoras ao EI. A cada dia, várias pessoas eram levadas para fora para serem mortas, e isto consistia no treinamento dos combatentes.
Ele explicou que as execuções sumárias seguiam sempre o mesmo protocolo, "dois membros do EI chamavam os nomes daqueles que seriam mortos, tapavam seus olhos, enquanto todos os outros tinham que ficar de frente para a parede, para não vê-los, e os escolhidos eram conduzidos para o primeiro andar. Alguns minutos mais tarde, ouviam-se os tiros. Isto acontecia uma vez por dia, todos os dias".
Nos últimos três dias de sua detenção, restavam apenas 27 em sua cela. Em apenas um dia 19 pessoas foram mortas, segundo esta testemunha.
No último dia ele foi chamado com outro preso, mas um ataque ao edifício por um grupo de oposição ocorreu naquele exato momento. Ele voltou para a cela onde foi libertado pelos opositores, que filmaram cerca de 45 corpos de pessoas executadas com um tiro na cabeça.
Cerca de 150 detidos foram libertados naquele dia, 7 ou 8 de janeiro de 2014, e o jornalista acredita que eles eram entre 400 e 600 quando chegou no prédio.