Rodrigo Craveiro
postado em 01/11/2014 08:00
;A voz do povo é a voz de Deus.; Três dias de intensos protestos foram suficientes para ruir 27 anos de governo e reforçar esse ditado. ;Blaise afastado; e ;Lougué no poder;, gritaram milhares de manifestantes, reunidos na Praça da Nação, quando o comunicado redigido pelo presidente Blaise Compaoré foi lido nas emissoras privadas de tevê BF1 e Canal 3, às 13h15 de ontem (11h15 em Brasília). A insurreição popular chegava ao fim com a fuga do mandatário para o sul e a ascensão do general Nabéré Honoré Traoré, chefe do Estado-Maior, à Presidência de Burkina Faso. ;Ao constatar o vazio de poder, considerando a urgência em proteger a vida da nação (;), eu assumirei a partir deste dia as minhas responsabilidades de chefe de Estado;, declarou Traoré, que prometeu agir ;em conformidade com as disposições constitucionais;. ;As forças de defesa e de segurança tomarão todas as medidas necessárias para garantir a segurança das pessoas e dos bens em toda a extensão do território nacional.;
Depois de protestos que varreram a capital, Ouagadougou, deixaram pelo menos 30 mortos e culminaram em um incêndio que destruiu o prédio do parlamento, os burquinenses celebraram o que consideram o início de uma nova era. Compaoré ponderou que tomou a decisão ante a ameaça à paz social e à ruptura na ordem pública. ;Creio ter cumprido com minha tarefa;, escreveu (veja o texto ao lado). Na véspera, ele tinha dissolvido o governo e anunciado que permaneceria à frente do país até a data das eleições. O clima de tensão persistia ontem, já que o ex-ministro da Defesa Kouame Lougué foi preterido na sucessão pelos militares.
;Vejo liberdade, democracia verdadeira e esperança adiante. Dias novos e melhores para o nosso país, Burkina Faso;, afirmou ao Correio, por meio da internet, Boukary Zorom, 34 anos, gerente de marketing de uma empresa de Ouagadougou. Segundo ele, o ponto alto das manifestações contra Compaoré ocorreu na quinta-feira, quando os parlamentares votariam uma emenda constitucional que permitira a ampliação do mandato presidencial. ;A situação por aqui ainda é confusa e estamos tentando entender o que está ocorrendo. O lado obscuro são os saques. Várias casas, alguns bancos e lojas acabaram destruídos e pilhados;, lamenta Boukary. A residência de François Compaoré, irmão de Blaise, foi incendiada ontem.
[VIDEO1]
Após o comunicado da renúncia, aos poucos o comércio reabriu as portas. Em Fada N;Gourma, 221km a leste da capital, Peace Sarambe, 33 anos, não conteve a euforia ao conversar, por telefone, com o Correio. ;Queremos uma Constituição sólida, além de instituições e um governo forte, que comande o povo do jeito correto. Não desejamos corrupção nem roubo das autoridades;, desabafou o professor e ativista da organização não governamental Fundação Barka. ;Blaise Compaoré saiu, estamos livres a partir de hoje. Outro Estado está nascendo;, disse.
Sarambe relatou que moradores de Fada N;Gourma bebiam e gritavam pelas ruas a palavra ;Obrigado;. Ele acredita que os 18,3 milhões de burquinenses poderão construir uma nova nação. ;O que está acontecendo aqui vai fazer com que todos os outros países africanos se levantem para expressar suas opiniões e para dizerem ;não; aos ditadores;, admitiu. Segundo a rede de tevê CNN, uma multidão enfurecida derrubou uma estátua de Compaoré em Bobo-Dioulasso, a segunda maior cidade do país.
Preocupação
O governo dos Estados Unidos se mostrou incomodado com a transferência de poder aos militares e exortou respeito à ordem constitucional. ;Condenamos com firmeza qualquer tentativa de tomada de poder por meios que não seja a Constituição;, afirmou Bernadette Meehan, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. O Ministério das Relações Exteriores da França revelou que Compaoré se deslocava ontem para a cidade de Pô, próximo à fronteira com Gana, ao sul. Paris alertou que a confirmação do nome de Honoré Traoré como sucessor, por parte do Conselho Constitucional, vai representar um ;golpe de Estado;, capaz de pôr em marcha uma ;engrenagem de sanções que atingirá a população;.
O argelino Imam Mesdoua, analista político da empresa de consultoria Africa Matters Limited (em Londres), prefere não classificar de golpe militar a convulsão política. ;Apesar de a tomada de poder não ter seguido a linha constitucional, não podemos dizer que o Exército tenha derrubado o presidente;, explicou ao Correio, por meio da internet. ;A crise atual é um exemplo que a aquiescência popular não pode ser dada com garantia por parte dos governantes.; Para o especialista, o contexto em Burkina Faso deve repercutir em toda a África Ocidental. ;Compaoré era um importante aliador e mediador do Ocidente em crises regionais, como na Costa do Marfim, em Mali e no Níger. Além disso, Burkina Faso pertence ao Sahel, uma área bastante volátil;, lembrou.