postado em 04/11/2014 09:54
Dez milhões de pessoas em todo o mundo não têm nacionalidade, vivendo em um devastador limbo jurídico, advertiu nesta terça-feira (4/11) o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), lançando uma campanha para erradicar o flagelo dentro de uma década. ;A cada dez minutos nasce um novo apátrida;, disse o alto comissário da Acnur, António Guterres, em Genebra, descrevendo a situação como ;totalmente inaceitável; e ;uma anomalia no século 21;.O Acnur pretende, por meio da campanha, colocar em evidência ;as consequências devastadoras para toda a vida da condição de apátrida; e pressionar os países a retificarem as suas leis a fim de garantir que não seja negada nacionalidade a ninguém.
;Muitas vezes são excluídos desde o berço até ao túmulo, sendo-lhes negada uma identidade legal quando nascem, acesso à educação, cuidados de saúde e oportunidades de trabalho durante toda a vida e mesmo a dignidade de um funeral oficial e de um certificado de óbito quando morrem;, destacou Guterres, em seu relatório, à agência da ONU. A condição de apátrida ;faz com que as pessoas sintam que a sua própria existência é um crime;, disse o alto comissário.
As pessoas podem tornar-se apátridas por uma série razões como a discriminação com base na etnia, religião ou gênero, ou quando um Estado se desmorona. A guerra e o conflito também dificultam, muitas vezes, o registo dos nascimentos. O relatório não contabiliza o caso dos palestinos, uma vez que a Assembleia Geral da ONU reconheceu o Estado da Palestina, disse Guterres.
O problema de muitos dos 4,5 milhões de palestinos na Faixa de Gaza e dos milhões que vivem como refugiados em todo o mundo é que o Estado da Palestina tem ainda de aprovar as suas leis de nacionalidade, ressaltou Guterres. Ele insistiu que se trata de ;uma situação muito específica; que requer uma ;solução política;.
O maior número de apátridas encontra-se na Birmânia, país que nega cidadania a cerca de 1 milhão de muçulmanos de etnia Rohingya, de acordo com António Guterres. A Birmânia considera os Rohingya imigrantes ilegais oriundos do Bangladesh que, por sua vez, olha para os que atravessam a sua fronteira como ilegais provenientes daquele país.
Em ambos os países, esse grupo, considerado pela ONU uma das minorias mais perseguidas do planeta, enfrenta restrições generalizadas, incluindo a liberdade à circulação, à educação e ao casamento. Quando uma nação se divide, as pessoas são frequentemente deixadas em um limbo. A título de exemplo, mais de 600 mil pessoas continuam como apátridas depois da desintegração da União Soviética há mais de 20 anos.
Em cenários de guerra, conflito ou tumulto, também é frequente ser difícil registrar nascimentos, especialmente entre os refugiados, o que faz com que os bebês fiquem sem pátria. António Guterres deu um exemplo: 70% dos bebês de refugiados sírios nascidos nos vizinhos Líbano ou Jordânia não recebem certificados legais de nascimento.
Em paralelo, há determinados países, como o Irã ou Catar, que nega às mulheres o direito de passar a sua nacionalidade para os filhos em condições de igualdade com os homens, ;situação que pode criar cadeias de apátridas que se estendem por gerações;, advertiu o Acnur. Como parte da campanha lançada ; sob o título ;I Belong; (Eu pertenço), António Guterres e outras 20 personalidades, incluindo o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra;ad Al Hussein, os laureados com o Nobel da Paz Shirin Ebadi e Desmond Tutu, e a enviada especial do Acnur, a atriz Angelina Jolie, apresentam uma descrição do que significa viver sem nacionalidade.
;Pode significar uma vida sem educação, sem assistência médica, sem emprego legal, sem liberdade de circulação, sem esperança nem perspetivas de futuro;, diz a campanha, em que se sublinha que a condição de apátrida é ;desumana;. ;Acreditamos que é chegada a hora de acabar com esta injustiça;.
A campanha pretende reunir 10 milhões de assinaturas com a petição na tentativa de erradicar a condição de apátrida nos próximos dez anos. A boa notícia é que foram feitos muitos progressos no sentido de resolver o flagelo, com mais de 4 milhões de apátridas ganhando uma nacionalidade na última década devido a mudanças políticas e legislativas, indicou a agência da ONU.
Em 2008, por exemplo, um tribunal no Bangladesh permitiu que 300 mil apátridas, que falam urdu, se tornassem cidadãos daquele país.