Agência France-Presse
postado em 04/11/2014 17:16
Buenos Aires - O Congresso argentino começa a debater nesta terça-feira (4/11) um projeto para a descriminalização do aborto, até agora restrito a casos de estupro e risco à vida da mãe - um tema que divide opiniões dentro do legislativo e gera alianças políticas inimagináveis.Esta é a quinta vez que o projeto para a legalização da interrupção voluntária da gravidez até 12 semanas é apresentado, mas o tema nunca chegou a ser tratado nas comissões e perdeu a validade.
Trata-se de um projeto apresentado por uma rede de movimentos e organizações sociais assinado por 69 dos 257 deputados - entre eles vários do governista Frente para la Victoria, ainda que sem o respaldo da presidente Cristina Kirchner.
Embora seja pessoalmente contra a descriminalização do aborto, Kirchner - impulsora de leis como as do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da identidade de gênero - afirmou que não vetaria a possibilidade da lei ser sancionada pelo Congresso.
Na Argentina, país de tradição católica e renovada influência da Igreja desde a ascensão do papa Francisco, o aborto é permitido nos casos de perigo para a vida da mulher ou gravidez decorrente de estupro. Uma decisão da Suprema Corte de Justiça determinou que basta uma declaração da mulher manifestando ter sido vítima de abuso sexual para solicitar o aborto, mas em várias províncias do país a aplicação do procedimento não é tão automática.
O novo projeto ingressou na comissão de Legislação Penal, presidida pela deputada de direita Patricia Bullrich, que se viu forçada a convocar seus companheiros para o debate - segundo relatou à rádio Del Plata. "Em 30 de setembro um grupo de legisladores tomaram a comissão de surpresa e quiseram conseguir a qualquer custo um parecer sobre a descriminalização do aborto. Foi uma situação desagradável, muito violenta", contou a deputada, que garantiu ter marcado o debate para acalmar os ânimos.
Bullrich, que há 20 anos apresentou um projeto a favor do aborto, diz agora que "o tema é polêmico, controverso", sobre o qual "não existem condições para emitir um parecer". Organizações pró-aborto convocaram uma manifestação em frente ao Congresso para dar apoio à legalização, questão que consideram "uma dívida da democracia".
A Conferência Episcopal reagiu ao debate, dizendo que "não é progressista querer resolver os problemas eliminando uma vida humana" - em uma alusão às declarações do papa Francisco.
[SAIBAMAIS]Dos 31 deputados que integram a comissão de Legislação Penal, 15 assinaram o projeto, entre governistas e opositores. "Há cerca de 500.000 abortos clandestinos por ano na Argentina", disse Marta Alanís, da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, que estima em cem o número de mulheres que morrem anualmente na Argentina em decorrência de abortos malsucedidos.
Em outubro de 2012, o Uruguai se tornou o segundo país da América Latina a permitir o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação - depois de Cuba, onde a interrupção voluntária da gravidez é descriminalizada desde 1965.