Silvio Queiroz
postado em 10/11/2014 08:54
O embaixador Dirk Brengelmann assumiu as funções em Brasília em agosto, a tempo de presidir as comemorações pelo 25; aniversário da noite em que seu país despertou do pesadelo de quatro décadas de separação para o sonho de voltar a ser um só. Na noite de 9 de novembro de 1989, ele estava em Londres, recém-chegado para integrar o pessoal da embaixada alemã ocidental, e assistiu pela tevê ;àquelas imagens inacreditáveis de milhares de berlinenses orientais diante do Muro;.
Hoje, com 56 anos, lembra-se perfeitamente de que, apenas alguns dias depois, estava sentado à mesa com um representante da Alemanha Oriental acompanhando o andamento das negociações sobre a reunificação do país ; realizadas entre as duas Alemanhas e as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França).
A avaliação de Brengelmann sobre a aventura do último quarto de século é sóbria, mas carregada de um otimismo que transborda como na atmosfera festiva que, nos últimos dias, tomou conta de Berlim, capital restaurada e em mutação constante. O embaixador admite que ;há o que melhorar; ainda na equiparação do nível de vida desfrutado pelos cidadãos em cada uma das antigas metades do país. Mas se diz confiante de que, dentro de cinco ou 10 anos, ;vamos ter nisso um interesse bem diferente de hoje;.
É na própria experiência cotidiana e familiar que Brengelmann busca uma referência para transmitir suas impressões sobre o quanto mudou nos corações e nas mentes. Os filhos, de 28 e 21 anos, pertencem a uma geração para a qual identificar um alemão como do leste e do oeste ;tem um sentido geográfico;, e não mais o conteúdo político de 1989, quando uns e outros eram chamados de ossis e wessis, respectivamente. Da mesma maneira como, embora persistam fronteiras políticas, expressas sobretudo na força eleitoral dos ex-comunistas na antiga Alemanha Oriental, a coincidência de o país ter hoje uma chanceler (chefe de governo) e um presidente vindos do leste não passa de um dado curioso, completamente absorvido na normalidade.
Onde o senhor estava na noite de 9 de novembro?
Eu estava em Londres, recém-chegado ao posto, com apenas dois meses, depois de um período no Haiti. Estávamos, eu e minha mulher, assistindo à tevê de noite e vimos aquelas imagens inacreditáveis de milhares de berlinenses orientais diante do muro. E as passagens da fronteira foram abertas. Certamente incrível. Naquela noite, muitos tiveram a sorte de estar lá. Outros simplesmente não puderam estar, mas puderam assistir pela televisão porque as notícias não pararam de chegar a noite toda.
Como o senhor vê o papel de Mikhail Gorbachov nesse processo?
Foi central. E eu acredito que, quando surgiram os primeiros sinais de dissolução da Alemanha Oriental, com a fuga dos cidadãos, tínhamos a glasnost na União Soviética, a política de reformas de Gorbachov. Na RDA, Honecker tentava continuar a levar o regime adiante como sempre, mas simplesmente não era mais possível porque as orientações políticas que vinham de Moscou eram outras. Gorbachov já tinha advertido publicamente o regime comunista alemão de que não poderia contar com a União Soviética para resolver a situação com medidas de força. Foi dada ao regime uma advertência clara de que a supressão do movimento de protesto pela via militar era inconcebível naquelas circunstâncias. Existe uma frase que Gorbachev teria dito a Honecker: ;A via pune os que se atrasam;. Não é certo se Gorbachov realmente a pronunciou, mas, para mim, isso é indiferente. O certo é que a frase ilustra bem qual era a atmosfera da época.
Como o senhor avalia os resultados desses 25 anos de reaproximação entre as duas Alemanhas?
Certamente, existem áreas nas quais se pode melhorar, como na atividade econômica. Persistem diferenças, mas mesmo aí foi colocado em andamento um processo que se acelera. Muitos trabalhadores do leste que migraram para o oeste começaram a retornar para a região de origem nos últimos anos. No campo da infraestrutura, há casos nos quais a oriental hoje é melhor que a ocidental. Pontes e escolas foram reformadas. Ainda faltam autoestradas aqui e ali, mas acho que o processo de nivelamento avançou claramente.
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