Agência France-Presse
postado em 10/12/2014 17:28
Washington- Mais de uma década depois dos atentados de 11 de setembro, os Estados Unidos ainda se mostram abalados pela controversa herança de sua "guerra contra o terrorismo" e questionam tanto o que fazer com seus prisioneiros até como impedir que as torturas se repitam.As revelações explosivas do documento publicado na terça-feira (9/12) pelo Senado recordam que o país ainda está longe de virar a página desse episódio, enquanto se discute a permanência das tropas remanescentes no Afeganistão e Iraque, incluindo a pertinência de enviar soldados do exército para combater os jihadistas do grupo Estado Islâmico.
"Não se trata de nossos inimigos, trata-se de nós mesmos. Trata-se do que fizemos, o que somos e o que queremos ser", resumiu o senador republicano John McCain, de 78 anos. Ao elogiar o relatório, o senador veterano e ex-candidato presidencial pronunciou um discurso vibrante contra a tortura, tendo sido ele mesmo vítima quando prisioneiro da guerra do Vietnã.
McCain também destacou que seu país não pode se esquivar da chuva de questionamentos que subsistem sobre os efeitos do 11 de setembro e a estratégia adotada pela Casa Branca e apoiada também pelo Congresso, a mídia, os partidos e parte dos intelectuais e assumida de forma passiva por uma opinião pública que tradicionalmente não questiona a política externa.
"Quais eram nossas políticas? E nossos objetivos? Que resultados obtivemos? Saímos fortalecidos ou debilitados? Essas políticas têm algum impacto, realmente?", indagou. "A verdade é, às vezes, um remédio difícil de engolir. Em alguns casos nos impõe dificuldades, em casa e fora do país. Pode ser usada por nossos inimigos, mas os americanos têm direito a ela, apesar de tudo", advertiu.
Privação de sono, isolamento e confinamento, simulação de afogamento: o informe parlamentário é uma acusação implacável contra os métodos usados pela CIA sobre uma centena de detidos, no marco de um programa secreto que incluía instalações secretas fora do país.
O documento também faz um balanço rigoroso sobre a ineficiência desses interrogatórios, que em nenhum momento permitiram obter informações sobre ameaças de atentados eminentes.
Antigas feridas
Este relatório marcará - como espera o secretário de Estado John Kerry - "o fim de um capítulo" da história americana. Apesar de não serem homogêneas, como prova a posição de John McCain, as divisões segundo as linhas políticas continuam sendo profundas.
O senador republicano Saxby Chamliss criticou na terça-feira a publicação do informe, afirmando que o texto "reabre antigas feridas". Também lamentou que, num momento em que o mundo se encontra diante de tantos problemas, uma comissão tenha dedicado cinco anos e 40 milhões de dólares para avaliar um programa acabou há mais de oito anos.
Mas esta imersão no passado suscita também questionamentos sobre o futuro. Diversas organizações de defesa dos direitos humanos, com a liderança de Amnesty International, pedem que sejam julgados os responsáveis das torturas, uma atitude descartada pelo departamento da Justiça.
Em um minucioso editorial sobre as mentiras da CIA, o New York Times antecipa, e lamenta, que o documento provavelmente não tenha consequências. "Os republicanos, que logo controlarão o Senado, criticaram o informe, como se falar da tortura, e não a tortura em si, fosse algo nefasto para o país".
Mas, além do problema da tortura, a onda expansiva provocada por esta investigação realizada durante três anos pela comissão de Inteligência do Senado poderá também contribuir para a fomentação de outros debates.
O aparato de inteligência americana, cujo alcance foi revelado por Edward Snowden, provocou furor nos Estados Unidos e no mundo e continua sendo um tema sensível. Um projeto de reforma que busca atualizar e modificar a Patriot Act, lei aprovada com urgência após os atentados de 11 de setembro, foi bloqueado em meados de novembro pelos republicanos no Senado.
Segundo Micah Zenko, do Council on Foreign Relations (CFR), um centro de análise com sede em Nova York, agora os líderes americanos devem mostrar mais transparência sobre outro caso da "guerra contra o terrorismo": o programa de eliminação específica de suspeitos por meio de drones no Paquistão, Somália e Iêmen.
"Se os 119 detidos que foram submetidos ao programa de interrogatório secreto merecem dizer a verdade, os 3.500 mortos por esse meio também não merecem?", questionou.