Agência France-Presse
postado em 03/02/2015 16:09
O Reino Unido será o primeiro país a permitir a concepção in vitro de crianças filhas de três progenitores para prevenir doenças hereditárias graves, depois que a Câmara dos Comuns aprovou a medida nesta terça-feira.A moção recebeu 382 votos a favor e 128 contra, ignorando os críticos que consideram ter sido cruzada uma fronteira perigosa que abre o caminho para a era dos bebês sob encomenda.
Os partidos deram liberdade de votação aos seus deputados.
Assim que a Câmara dos Lordes (câmara alta) sancionar a moção, como se espera, as primeiras crianças resultantes desta técnica poderão vir ao mundo em 2016.
A investigação demonstrou que a doação mitocondrial pode ajudar potencialmente quase 2.500 mulheres em idade reprodutiva no Reino Unido.
Todas correm o risco de transmitir mutações nocivas ao DNA nas mitocôndrias, organelas de células que fornecem a maior parte da energia necessária para a atividade celular.
Os deputados aprovaram concretamente uma emenda às normas que regem a fecundação in vitro para permitir que os bebês sejam concebidos com material genético de três pessoas.
Além de receber o DNA normal do pai e da mãe, a criança receberá, ainda, uma pequena quantidade do DNA mitocondrial sadio de uma mulher doadora.
As doenças mitocondriais podem ser devastadoras, afetando os órgãos principais e causando de cegueira à perda de massa muscular.
"Alcançamos um marco para dar às mulheres uma opção inestimável, a possibilidade de ser mães sem medo de viver sob a ameaça de transmitir uma doença mitocondrial aos filhos", comemorou Robert Meadowcroft, diretor da organização Campanha contra a Distrofia Muscular.
John Tooke, presidente da Academia de Ciências Médicas comemorou a decisão e lembrou que "estes tratamentos poderiam reduzir o número de crianças nascidas com doenças mitocondriais raras e ajudar muitas famílias a levar vidas sadias e felizes".
"A votação de hoje é a culminação de anos e anos de debate. Quero agradecer muitos cientistas, médicos e especialmente pacientes e famílias afetadas por estas doenças devastadoras, por sua contribuição inestimável a estas discussões", acrescentou.
Um grupo de organizações e ativistas internacionais tinham pedido em uma carta aberta aos deputados que votaram a favor para oferecer "as famílias o primeiro vislumbre de esperança de ter um bebê que viva sem dor nem sofrimento".
Os cientistas do Centro Wellcome Trust de pesquisa mitocondrial da Universidade de Newcastle (norte) estão entre os pioneiros da doação mitocondrial e serão os primeiros a oferecer o tratamento.
A professora Alison Murdoch, desta universidade, disse que se "trata de uma boa notícia para a medicina progressista".
"O Reino Unido mostrou ao mundo como agir", sentenciou.
Bebês à la carte?
Um estudo do grupo, publicado recentemente no New England Journal of Medicine sugere que 2.473 mulheres no Reino Unido correm o risco de transmitir doenças mitocondriais potencialmente letais aos filhos.
Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, a maior organização beneficente de pesquisas do Reino Unido, destacou que "durante os últimos sete anos, a Grã-Bretanha se comprometeu em um processo exemplar para avaliar a opinião científica, ética e pública sobre a doação mitocondrial, o que deixou em evidência um amplo apoio nas três frentes".
"Os pais que sabem o que significa cuidar de um filho doente e sofrendo de doenças mitocondriais são as pessoas mais bem indicadas para decidir, com o assessoramento médico adequado e garantias, se a doação mitocondrial é adequada para eles. É o momento de poder escolher", sentenciou Farrar.
Os que se opõem à doação mitocondrial argumental que foram longe demais.
O reverendo Brendan McCarthy, assessor em temas de ética médica da Igreja Anglicana da Inglaterra, disse ao Daily Telegraph: "sem uma visão mais clara do papel que as mitocôndrias desempenham na transferência das características hereditárias, a Igreja não sente que seja responsável mudar a lei".
David King, diretor do grupo Alerta Genética Humana (Human Genetics Alert), lembrou que o país vá romper o consenso internacional dos últimos 40 anos de que não se deve modificar geneticamente os seres humanos.
"Em meio ao futuro pesadelo do design de bebês, as pessoas vão olhar para trás e se perguntarão: como foram tão irresponsáveis?", assegurou.