Agência France-Presse
postado em 20/02/2015 16:35
O governo venezuelano, que redobrou a ofensiva contra a oposição, tendo como pano de fundo a escassez de comida e remédios, vem denunciando complôs e tentativas de assassinato, usados como argumento para a detenção, pelos serviços de inteligência, do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, na quinta-feira (20/02).Ledezma, detido em instalações de espionagem interna, é o segundo dos três principais líderes opositores na prisão. Esta semana, outro opositor, Leopoldo López, completou um ano preso, enquanto a deputada destituída Maria Machado era investigada, mas em liberdade.
Os promotores Katherine Harington e Yeison Moreno acusarão nesta sexta-feira o prefeito por "supostamente estar envolvido em atos conspiratórios para organizar e executar atos violentos contra o governo", informou a promotoria.
Leia mais notícias em Mundo
Ainda na quinta-feira, o presidente Nicolás Maduro tinha justificado esta detenção pelo anúncio pago, publicado há uma semana na imprensa, com a assinatura destes líderes, em que falavam da necessidade de uma transição democrática.
O comunicado opositor denunciava "uma elite sem escrúpulos, com não mais de cem pessoas, que tomou de assalto o Estado para torná-lo totalitário" e exortava a "evitar que a já inevitável queda do regime faça transbordar a paz e a constitucionalidade".
Denúncia permanente
Maduro fez esta acusação de plano golpista na mesma transmissão televisiva em que informou que 48 horas antes tinha se reunido com o líder cubano Fidel Castro, durante nova visita sem anúncio prévio a Cuba, enquanto opositores venezuelanos denunciam a infiltração de agentes cubanos no governo e no exército venezuelanos.
O herdeiro político de Hugo Chávez balizou seus dois anos de gestão com revelações reiteradas sobre planos golpistas e tentativas de assassinato, tendo como pano de fundo uma inflação que beira 70% ao ano, desvalorizações encobertas, falta de itens de necessidade básica e uma queda vertiginosa de sua popularidade até os 20%.
Sem limites, o governo "pode inventar todos os dias uma história, uma grande conspiração. São habituais, quase diariamente, as denúncias sobre assassinatos ou tentativas de golpe", afirmou o diretor da ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Wartch, José Manuel Vivanco, em entrevista à Unión Radio.
"Prender os líderes opositores pode desviar momentaneamente a atenção do problema econômico, mas só vai piorá-lo", afirmou na quinta-feira o analista político Luis Vicente León.
O analista político de origem chavista e dissidente do governo atual, Nicmer Evans, denunciou em um artigo publicado nesta sexta-feira os desvios e atos de corrupção no governo, enumerando, entre outras coisas, a "capacidade indiscriminada de desqualificar seus adversários sem qualquer tipo de rigor na denúncia".
"Nestes dias, em que tanto se fala de golpe de Estado, estamos na presença de um golpe [praticado] pelo Estado", pois Ledezma "é um governante legítimo eleito", denunciou o secretário-geral da coalizão opositora, MUD, Jesús Torrealba.
Estados Unidos preocupados
Também nos Estados Unidos, frequentemente acusados pelo governo chavista, rechaçou as acusações. "Estamos profundamente preocupados pelo que parece ser uma escalada da intimidação da oposição" na Venezuela, escreveu nesta sexta-feira no Twitter a vice-secretária de Estado para a América Latina, Roberta Jacobson.
A porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, já tinha rechaçado as acusações de Maduro, que envolviam os Estados Unidos nos denunciados planos golpistas e pediu a Caracas para "deixar de tentar distrair a atenção dos problemas econômicos e políticos do país".
Em suas frequentes intervenções transmitidas pela TV, Maduro gosta de atacar seus opositores, recorrendo a expressões populares e, às vezes, apelidando-os com nomes vulgares.
Ledezma costuma ser denominado de "O Vampiro", López de "o Monstro de Galho Verde" e a ex-deputada Machado como "A Perucona" (madame), expressões que costumam arrancar aplausos e vivas dos quadros e militantes que assistem aos atos presidenciais, muitos vestindo a cor vermelha que identifica o partido no poder.
Protesto tímido
Aos 59 anos e militante da Aliança Bravo Pueblo, Ledezma foi preso em uma operação impressionante, na qual forças de assalto dos serviços de inteligência levando armas longas, vestindo capuzes e coletes à prova de bala invadiram seu escritório.
Ledezma foi eleito em 2009 e reeleito em 2013 prefeito de Caracas, que abarca cinco municípios da região metropolitana, mas sua função foi sendo limitada progressivamente porque o governo nacional restringiu suas atribuições e as redistribuiu a outros cargos, ocupados por seus seguidores.
A detenção motivou, na noite de quinta-feira, tímidos panelaços nas janelas das casas, em uma Caracas que parece cada vez mais reticente a participar de protestos de rua.
Nesta sexta-feira, menos de 200 pessoas assistiram a um comício em apoio a Ledezma, promovido pela ex-deputada Machado.
A fraca mobilização da oposição em diferentes convocações nas últimas semanas coincide com a decisão de autorizar às forças de segurança o uso de "força letal" para controlar a ordem pública, assinada no fim de janeiro pelo influente general Vladimir Padrino López, ministro da Defesa e chefe do Comando Estratégico Operacional.