Agência France-Presse
postado em 25/02/2015 19:00
Buenos Aires - O Congresso argentino quer transformar em lei nesta quarta-feira a reforma do serviço de inteligência impulsionada pelo governo de Cristina Kirchner após a misteriosa morte de um promotor que denunciou a presidente, em um caso que envolve a central de espiões.Kirchner enviou a reforma ao Congresso - controlado pelo governo - após a morte do promotor Alberto Nisman, encontrado em seu apartamento de Buenos Aires com um tiro na cabeça no dia 18 de janeiro.
A sessão desta quarta-feira, que poderá avançar pela madrugada de quinta-feira, começou com um minuto de silêncio por Nisman a pedido da oposição, seguido de aplausos pelo dia do nascimento de Néstor Kirchner (2003-2007), puxados pelos governistas em homenagem ao seu líder, falecido em 2010 aos 60 anos.
A morte do promotor ocorreu quatro dias depois de ter acusado a presidente e outros funcionários de encobrir ex-governantes iranianos pelo atentado à mutual judaica AMIA, em 1994, que deixou 85 mortos e 300 feridos e que continua mais de 20 anos na impunidade.
O governo concentrou as atenções no poderoso ex-agente de inteligência Antonio ;Jaime; Stiuso, colaborador próximo de Nisman e que entrou no serviço de inteligência argentino em 1972.
Embora a reforma dos serviços de inteligência argentinos, conhecidos por realizar extorsões com uma rede de escutas telefônicas a juízes, promotores e homens poderosos, fosse defendida pela maioria da oposição, a iniciativa da presidente foi amplamente rejeitada por seus opositores por considerarem que estava desviando o foco do debate após a morte de Nisman.
Stiuso havia sido demitido em dezembro passado, juntamente com a cúpula de inteligência quando Kirchner dissolveu a antiga Secretaria de Inteligência do Estado (SIDE).
Na terça-feira, o Executivo o acusou junto de outros espiões de um contrabando milionário.
Espiões controlados
O projeto de lei, aprovado na semana passada no Senado, dissolve a questionada Secretaria de Inteligência (SI) e cria em seu lugar uma agência federal, ainda que com a transferência da maioria dos agentes, o que é questionado pela oposição.
A proposta sofreu modificações na Comissão de Assuntos Constitucionais e de Justiça e Assuntos Penais do Senado, ambas nas mãos dos governistas.
Segundo o projeto, a nova central de espionagem ficará sob o controle do secretário de Inteligência, Oscar Parrilli, de extrema confiança da presidente.
Parrilli terá a opção de aposentar os agentes que estão em serviço desde a ditadura militar (1976-1983).
Entre outras modificações, está previsto que o controle das escutas telefônicas fique sob a supervisão da Procuradoria Geral da Nação, cuja titular, Alejandra Gils Carbó, é questionada pela oposição porque, em sua interpretação, responde ao governo de Kirchner.
Apoio de especialistas
Algumas mudanças foram vistas com bons olhos pela organização humanitária Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) e especialistas em segurança, sobretudo as que tentam estabelecer limites mais claros às tarefas de espionagem.
Segundo o CELS, o projeto representa "uma melhora significativa no funcionamento atual do sistema e um avanço fundamental para desarmar a autonomia dos serviços (de inteligência) e suas relações com o poder judicial e político".
A organização argumenta que ele "transforma as funções históricas dos serviços de inteligência, já que proíbe de maneira taxativa que realizem tarefas repressivas e policiais".
"Também impede que a Agência Federal de Inteligência realize investigação criminal a menos que um juiz fundamente a necessidade de sua intervenção", afirmou o CELS em um comunicado.
Entre os principais pontos destacou que "delimita o conceito de inteligência nacional, contribui para a transparência do sistema de utilização de fundos reservados, estabelece pautas mais claras para a classificação e acesso à informação".
Outro aspecto que o CELS ressalta é que se prevê aplicar aos agentes de inteligência as mesmas regras processuais que a outros auxiliares de justiça quando intervém em investigações criminais.
A reforma estabelece ainda em 15 anos o prazo máximo para a publicação de arquivos secretos, ainda que o Poder Executivo possa fazê-lo antes se considerar oportuno.