postado em 28/02/2015 14:22
Os atentados ocorridos em Copenhague, capital da Dinamarca, no dia 13 de fevereiro, levaram o governo a anunciar um plano de combate ao terrorismo que prevê investimentos de quase 1 bilhão de coroas dinamarquesas (R$ 432 milhões) na ampliação da força policial e na melhoria dos serviços de inteligência e segurança. Mesmo assim, o país é reconhecido por sua abordagem ;suave; com os jovens que deixaram a terra natal para lutar por grupos terroristas.
Estimativas do serviço de segurança e inteligência da Dinamarca apontam que cerca de 100 cidadãos deixaram o país rumo à Síria e ao Iraque. Numa nação com cerca de 5,6 milhões de habitantes, o número é representativo, e faz da Dinamarca o segundo país da Europa Ocidental, depois da Suécia, com o maior número de europeus jihadistas em proporção à sua população.
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Ao contrário de nações europeias como Reino Unido e França, onde a lei antiterrorismo é rigorosa, na Dinamarca nenhum cidadão pode ser preso ou ter o passaporte confiscado pelo fato de ter viajado para a Síria ou Iraque, a menos que haja comprovação de que cometeu algum crime durante sua ausência do país. O que fazer, então, com aqueles que engrossaram as fileiras terroristas e estão retornando para casa?
Em Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 330 mil habitantes, um programa de reabilitação de jovens extremistas se tornou modelo não só para a capital, Copenhague, mas também por outros países que visitam o município em busca de informações. O prefeito de Aarhus, Jacob Bundsgaard, foi convidado pela Casa Branca para participar da última cúpula sobre como conter o extremismo, em Washington, nos Estados Unidos, no dia 18 de fevereiro.
O programa, gerido conjuntamente pela prefeitura e pela polícia de Aarhus desde 2007, não sofreu alterações depois dos atentados de Copenhague. Seus coordenadores ainda acreditam que reintegrar é melhor que punir.
Assim como qualquer outro cidadão dinamarquês, jovens extremistas que foram ou não para a Síria, recebem oportunidades de educação, apoio na busca de emprego e moradia, acesso a serviços médicos e atendimento psicológico. Cada jovem é acompanhado por um mentor, pessoa do mesmo meio e religião que o assistido, responsável por aconselhá-lo e ajudá-lo a enxergar novos caminhos. O programa não tenta mudar as crenças dos participantes, desde que elas não incitem a violência.
Quem coordena e orienta o grupo de mentores é o psicólogo Preben Bertelsen, da Universidade de Aarhus. Ele também oferece atendimento psicológico aos participantes. São jovens de classe média, muitos deles universitários, com idade entre 15 e 25 anos, nascidos na Dinamarca, mas descendentes de imigrantes. Alguns herdaram a religião muçulmana dos pais, outros são recém-convertidos. ;Em comum, eles têm experiência de exclusão e racismo; se sentem diferentes dos outros dinamarqueses. Estão em busca de uma identidade e de respostas para dúvidas existenciais;, enfatiza o psicólogo.
Bertelsen conta que a motivação principal daqueles que deixaram a estabilidade de seu lar, em Aarhus, pela incerteza do que encontrariam na Síria, é a crença religiosa. ;Eles foram convencidos a lutar pelo plano de Deus. Mas muitos, quando chegaram lá, se depararam com todos os tipos de maldade e corrupção. Ficaram decepcionados. Voltaram frustrados. Muitos sofreram ou sofrem desordem pós-traumática, e perderam a fé na humanidade;. O psicólogo acredita que uma medida punitiva, em casos como estes, poderia agravar a situação. ;Se forem abandonados ou punidos, podem se radicalizar ainda mais, tornando-se uma perigo para a sociedade;, salienta.
Dos dinamarqueses que foram para a Síria, 31 são de Aarhus, e 22 deles frequentavam a mesquita salafista de Grimhojvej, que fica em Braband, a poucos metros do distrito de Gellerup, área popularmente conhecida como ;gueto; de Aarhus, onde mais de 80% dos moradores são imigrantes, a maioria da Somália, Turquia e de países árabes. Em 2014, ao perceberem que o centro religioso poderia ter ligação com a radicalização dos jovens, representantes da prefeitura e da polícia passaram a se reunir com líderes da mesquita periodicamente.
A mesquita de Grimhojvej funciona num velho prédio industrial, e só é possível identificá-la pela placa na entrada. Ali, cerca de 300 fiéis atendem às preces nas sextas-feiras. O presidente do centro religioso, Ossama El Saadi, disse à Agência Brasil que ;compreende a atitude dos que foram ajudar seus irmãos na Síria;, mas observou que tem incentivado os jovens que retornaram à Dinamarca a respeitar e aceitar as regras do país em que vivem. Apesar de não condenar o Estado Islâmico, El Saadi garante que a mesquita ;não tem visões extremistas, como dizem alguns políticos, mas moderadas;.
Dos que foram para a Síria, cinco morreram, dez ainda estão fora e 16 retornaram. Todos os que voltaram foram chamados pela polícia para uma conversa e convidados ; não obrigados ; a se integrar ao programa. Seis, recusaram, e seguiram suas vidas, sob acompanhamento discreto do serviço de inteligência; dez resolveram participar, e receberam diferentes graus de apoio, conforme a necessidade.
O coordenador do programa na prefeitura de Aarhus, Toke Agerschou, observa que, além da reabilitação, um trabalho intensivo de prevenção contra o extremismo é realizado continuamente na cidade. Cerca de 140 workshops sobre o assunto já foram promovidos com a participação de estudantes (crianças, adolescentes e jovens), famílias e membros da comunidade. Mais de 100 pessoas atuam como ;olheiros;, alertando a polícia em caso de qualquer indício de radicalização. O Centro de Informações, montado especificamente para o programa, já recebeu mais de 130 notificações. Entre elas, várias denúncias.
Para Toke, a prova de que o programa - considerado inocente e suave por líderes políticos da oposição - funciona de verdade é o fato de que, de 2013 para 2014, o número de jovens que deixaram Aarhus rumo à Síria caiu de 31 para 1. Em 2015, ainda não há registros. ;Não estamos camuflando os dados, esses números são reais. Os resultados estão aí. Além disso, as pessoas que voltaram foram ajudadas e conseguiram retomar suas vidas;.
Com os atentados que chocaram Copenhague, no início deste mês ; cometidos por um jovem dinamarquês, de descendência palestina, que tinha acabado de sair da prisão ;, o comissário-chefe da Polícia de Aarhus, Jorgen Illum, está ainda mais certo de que a abordagem do programa de reabilitação é correta. ;É importante ter uma legislação que deixe claro que atos criminosos são inaceitáveis. Mas também é muito importante trabalhar na prevenção. Se a abordagem for muito dura, se colocarmos as pessoas na cadeia, corremos o risco de radicalizá-las ainda mais;.