Beirute - A comunidade internacional é, em parte, responsável pelo ano mais sombrio que já viveram os civis atingidos pelo conflito na Síria, por não conseguir administrar o crescente desastre humanitário, afirmaram várias organizações não governamentais em um relatório publicado nesta quinta-feira.
O relatório, intitulado "Derrota culpada na Síria" e firmado por 21 organizações de defesa dos direitos humanos, critica a incapacidade dos Estados para aplicar uma série de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas visando proteger os civis afetados pela guerra deflagrada há mais de quatro anos.
[SAIBAMAIS]
A ONU aprovou três resoluções em 2014 para que as partes em conflito protegessem os civis, com o objetivo de garantir que milhões de pessoas tivessem acesso à ajuda humanitária.
"As resoluções e esperanças que elas traziam se converteram em algo sem sentido para os civis sírios. Foram ignoradas ou menosprezadas pelas partes beligerantes, por países membros da ONU e, inclusive, por membros do Conselho de Segurança".
"Nós traímos os nosso ideias, porque continuaremos a assistir pessoas sofrer em 2015", afirmou Jan Egeland, secretário-geral do Conselho norueguês para os refugiados e que contribuiu para o relatório.
Em 2014 o conflito sírio deixou ao menos 76 mil mortos, do total de 210 mil óbitos desde 15 de março de 2011. O relatório acusa as forças sírias e os rebeldes de atacar infraestruturas civis, incluindo escolas e hospitais, e de impedir a chegada da ajuda humanitária.
Além disso, denuncia a sistemática prática de estupro como arma de guerra pelo regime, e o sequestro de mulheres e crianças pelos rebeldes pra troca de prisioneiros.
"Em toda a Síria, as crianças não estão recebendo educação, já que não podemos chegar até eles, muitas escolas foram destruídas e os pais têm medo de mandar seus filhos para o colégio", destaca Roger Hearn, diretor regional da organização Save the Children.Segundo um relatório da Unicef, 14 milhões de crianças sofrem com o conflito sírio e 2,6 milhões não são escolarizadas.
Terreno para extremistas
A crise na Síria começou em 15 de março com manifestações pacíficas que foram violentamente reprimidas, provocando uma guerra civil que fez mais de 210.000 mortos, incluindo 76.000 apenas em 2014, o ano mais sangrento do conflito, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
O relatório, firmado por organizações como Oxfam, Comitê Internacional de Resgate e Save the Children, afirma que 7,8 milhões de sírios vivem atualmente em zonas catalogadas pela ONU como "de difícil acesso" para a entrega de assistência, mais que o dobre em relação a 2013.
O documento destaca ainda que em 2014 apenas 57% dos fundos necessários para a entrega de material humanitário foram recebidos, contra 71% em 2013.
A ONU necessitará de cerca de 8,4 bilhões de dólares em ajuda para o calendário do próximo ano, indicou à AFP Jan Egeland.
De acordo com essas ONGs, a catástrofe humanitária na Síria "mancha a consciência da comunidade internacional".
"Nós não levamos nenhuma esperança para milhões de jovens sírios (...) como não acreditar que eles são facilmente atraídos para o extremismo?", lamenta Egeland.
A guerra entre o regime e os rebeldes e o sofrimento dos civis foram ofuscados no ano passado pelas atrocidades cometidas por jihadistas islâmicos do grupo Estado Islâmico (EI), que controlam grandes áreas no país e no Iraque vizinho.
O grupo, cujas ações provocaram indignação global, reivindicam decapitações, crucificações, sequestros e "escravidão".