Rodrigo Craveiro
postado em 04/06/2015 09:48
O chanceler iraquiano, Ibrahim Al-Jaafari, 68 anos, conhece como poucos o sofrimento que seus conterrâneos enfrentam. Depois que Saddam Hussein esmagou o movimento clandestino de oposição Partido Islâmico Da;wah, em 1989, ele fugiu para o Irã e prosseguiu com o exílio de 23 anos em Londres, até poder retornar ao seu país, com a queda e a morte do ditador. Médico formado pela Universidade de Mosul, em 1974, ávido poeta desde a juventude, foi vice-presidente entre 2004 e 2005 e primeiro-ministro de 2005 a 2006. Durante os debates para a elaboração da Constituição, aprovada em outubro de 2005, o então premiê defendeu uma Carta Magna inclusiva, que contemplasse o tecido da sociedade iraquiana e preservasse as influências islâmicas conservadoras.Al-Jaafari agora se vê às voltas com uma ameaça mais sanguinária do que Saddam: a expansão do Estado Islâmico ; ou Daesh, pela nomenclatura árabe ; nos territórios do Iraque e da Síria. Em visita oficial a Brasília, o chanceler iraquiano reuniu-se anteontem com o colega, Mauro Vieira, e com o vice-presidente, Michel Temer. Na terça-feira à noite, foi homenageado com um jantar oferecido pelo embaixador do Iraque em Brasília, Adel Mustafa Kamil Alkurdi. Durante pouco mais de 20 minutos, Al-Jaafari falou com exclusividade ao Correio e rejeitou a denominação Estado Islâmico em referência aos jihadistas que capturaram importantes cidades, como Ramadi e Mossul. ;O islamismo está livre desse nome. O islamismo é a religião da paz.;
O ministro das Relações Exteriores do Iraque afirmou que a solução para combater o jihadismo vai além do campo militar e incorpora mudanças no comportamento e na economia. Al-Jaafari revelou os pedidos feitos a Temer e a Vieira e elogiou o Brasil como ;referência de democracia no mundo;. ;O Brasil pode ajudar o Iraque a combater o terrorismo;, garantiu. Sem meias palavras, o representante de Bagdá criticou a postura da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos. ;A gente esperava que a coalizão atuasse de maneira mais forte e mais decisiva. Hoje, temos este apoio, mas não da maneira que esperávamos;, admitiu. Ele garantiu que as tropas iraquianas são autossuficientes e rejeitou o retorno de forças terrestres estrangeiras ao seu país. Também alertou que o Daesh representa uma ameaça que extrapola fronteiras e põe em risco o Ocidente.
[SAIBAMAIS]
O que é preciso fazer para conter a ameaça representada pelo Estado Islâmico?
Ela (a facção) não é um Estado Islâmico, mas usa este nome. O islamismo está livre desse nome. O islamismo é a religião da paz. A solução é a união de todas as forças de bem do mundo para poder enfrentar este mal. São pessoas que se tornaram frutos da rebeldia, da revolta, porque viveram em sociedades com políticas desprovidas de distribuição de riquezas. São membros de países que detêm dois terços das reservas de petróleo do mundo e também foram frutos de governos violentos, de governos que não são democráticos. Além disso, houve aquele ataque contra a personalidade do profeta Maomé. Isso fez nascer dentro deles a revolta, que passou para ações violentas e, depois, para a vingança. Eu também gostaria de destacar que o Brasil teve uma posição honrosa de proibir os ataques contra a honra do profeta. Ao identificar as razões pelas quais isso aconteceu, estou apontando as soluções. Temos que respeitar a religião muçulmana, cujos fiéis são um quinto da população mundial. E temos que respeitar a tradição, o profeta. Ao respeitar e ao dar oportunidade para esses excluídos, nós conseguiremos enfrentar isso. Temos que ensiná-los a ter respeito pelas diferenças e não a partir para a agressão. Isso me leva a lembrar daquela guerra na Alemanha entre católicos e protestantes, no século 17, a qual chamam de Guerra dos 30 anos. Ela começou dentro da Alemanha e se espalhou por toda a Europa.
De que modo o Brasil pode ajudar o Iraque e a Síria a controlar a expansão desses extremistas?
O Brasil é um país com experiência. É o quinto país em território e o quarto em capacidade democrática, e pode nos ajudar com a experiência na economia. Ele pode estender essa experiência para o Iraque. O Brasil tem capacidade industrial, o Brasil pode ajudar o Iraque a combater o terrorismo. Nós não precisamos de uma força territorial. Não necessitamos de soldados nem tropas, mas podemos ter apoio logístico e equipamentos para nos ajudar nisso.
Como o senhor analisa o papel da coalizão internacional contra os jihadistas? Os bombardeios têm sido eficientes?
Assim que surgiu esse apoio internacional, em setembro do ano passado, nas Nações Unidas, nós esperávamos por isso. A gente esperava que a coalizão atuasse de maneira mais forte e mais decisiva. Hoje, temos este apoio, mas não da maneira que esperávamos.
O que o Iraque esperava?
A coalizão internacional tem que fazer o que ela se prontificou a fazer, por meio de armas, de treinamento para as tropas iraquianas, de informações privilegiadas de inteligência, além de ajuda humanitária. Temos 2,6 milhões de refugiados de Mossul e de outras cidades. Após a reconquista das cidades, precisaremos de ajuda humanitária para podermos realocar essas pessoas e reconstruir os lugares que foram abandonados.
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