Akçakale - Os combatentes curdos tomaram nesta segunda-feira à noite (hora local) das mãos do grupo Estado Islâmico (EI) o controle da passagem de fronteira entre a cidade turca de Akçakale e a cidade síria de Tall Abyad, vital para os jihadistas, e recuperada em sua quase totalidade.
Trata-se de um duro golpe para a organização extremista, que utilizava Tall Abyad como passagem de armas e combatentes para os territórios que controla na Síria.
"Os combatentes curdos controlam quase totalmente Tall Abyad", afirmou Rami Abdel Rahmane, diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), organização sediada na Grã-Bretanha, que se apoia em uma rede de militantes atuantes na Síria.
Persistem apenas "pequenos bolsões de resistência, porque grupos de combatentes do EI ainda estão isolados no interior da cidade", afirmou.
De acordo com Rahmane, pelo menos 40 membros do EI encontraram a morte ao tentar fugir de Tall Abyad, cercada pelas Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG).
Segundo um fotógrafo da AFP no local, vários combatentes das YPG tinham tomado, no final da tarde desta segunda, o lado sírio da passagem da fronteira turco-síria.
Mais cedo, as YPG, apoiadas por grupos rebeldes e os ataques aéreos da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, conseguiram cortar a estrada que liga Tall Abyad a Raqa, a fortaleza do grupo jihadista, indicou à AFP o comandante curdo Hussein Khojer.
Raqa, localizada 86 km ao sul de Tall Abyad, é o principal reduto do EI na Síria, país devastado por um complexo conflito no qual regime, rebeldes, curdos e jihadistas tentam tomar partes do território.
Após lançar sua ofensiva em 11 de junho, os curdos cercaram Tall Abyad e os jihadistas "não têm para onde fugir", acrescentou por telefone o comandante, que se encontra perto de Tall Abyad.
Por sua vez, Sherfan Darwish, porta-voz do grupo rebelde Burkane al-Furat, que combate junto as YPG, indicou que a aliança contra o EI havia avançado para as margens da cidade a leste e a sul.
"Estamos travando combates muito violentos com o Daesh", assegurou à AFP utilizando o acrônimo em árabe do EI, indicando que 19 jihadistas foram abatidos nesta segunda-feira.
Tragédia humanitária
A batalha de Tall Abyad provocou um novo drama humanitário, com a fuga de ao menos 16.000 pessoas para a vizinha Turquia.Após fechar sua fronteira esta semana para evitar a entrada de refugiados, a Turquia voltou a reabrir nesta segunda-feira à tarde as suas fronteiras para centenas de refugiados sírios, que fogem dos combates entre as forças curdas e os jihadistas
Este êxodo deu lugar a cenas caóticas de pais aterrorizados tentando, com seus filhos nos braços, forçar as barreiras que separam a Síria da Turquia, constatou um fotógrafo da AFP.
A batalha pelo controle da cidade síria curda de Kobane, perto da fronteira com a Turquia, causou no ano passado a fuga para a Turquia de cerca de 200.000 refugiados, a maioria de origem curda.
A Turquia, que rompeu relações com o regime sírio do presidente Bashar al-Assad, é o principal país de asilo para os refugiados que fogem da guerra civil. Segundo dados oficiais, atualmente abriga mais de 1,8 milhão de pessoas.
Para o EI, Tall Abyad "é estratégica, sendo uma cidade fronteiriça por onde podem transitar equipamentos, efetivos e outros" destinados a Raqa, explica Charlie Winter, especialista em jihadismo da Fundação Quilliam em Londres.
Segundo Mutlu Civiroglu, especialista em assuntos curos, Tall Abyad representava "uma plataforma financeira e política" para o EI, e, uma vez perdia, "será mais difícil fazer passar seus combatentes e vender petróleo e outras mercadorias que trafica".
Temor turco
As forças curdas têm avançado há três meses sobre territórios do EI na província de Raqa, que em determinado momento chegou a estar sob seu completo controle.
O avanço curdo faz temer o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, considerando que poderia constituir uma ameaça para a Turquia num futuro próximo.
Para Ancara, o Partido da União Democrática (PYD), o braço político das YPG, é uma filial síria do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, em conflito com o governo turco há tempos.
Para Nihat Ali Ozcan, do grupo de especialistas Tepav, com sede em Ancara, as críticas de Erdogan se explicam pelo temor de um "sentimento separatista" no sudeste do país. "Os curdos podem se tornar uma força hostil a Turquia", afirma.
Em outra frente, no norte da Síria, pelo menos 23 pessoas morreram e uma centena ficaram feridas, metade das quais crianças, por morteiros disparados nesta segunda-feira contra bairros controlados pelo governo sírio em Aleppo.
A televisão estatal síria mostrou imagens de um edifício em ruínas e feridos cobertos de sangue indo para o hospital em macas.
O bombardeio ocorre no mesmo dia da chegada do enviado da ONU, Staffan de Mistura, para tratar com o governo "a questão da proteção de civis e do uso inaceitável de barris explosivos".
Este último, uma arma particularmente destrutiva usada pelo regime em sua guerra contra os rebeldes, já matou milhares de pessoas. Os rebeldes, por sua vez, utilizam morteiros artesanais apelidados de "canhões do inferno" para bombardear o lado do governo.