Agência France-Presse
postado em 23/06/2015 11:47
O diretor do serviço de inteligência de Ruanda, Emmanuel Karenzi Karake, procurado pela Espanha por genocídio e por sua relação com as mortes de três voluntários espanhóis, foi detido no sábado em Londres. A detenção provocou indignação no país africano, que atribuiu a medida à arrogância europeia e a uma manobra daqueles que negam o genocídio de 1994.Karake não pertencia ao governo hutu acusado pelo genocídio de tutsis, e sim ao movimento rebelde que derrubou o regime, mas este grupo também é acusado de abusos contra os civis. A justiça espanhola iniciou os trâmites para solicitar a Londres a entrega de Karake, um dos políticos mais influentes de Ruanda.
"Fomos informados pela polícia londrina em 20 de junho sobre a detenção do general Emmanuel Karenzi Karake, diretor dos serviços de inteligência e de segurança de Ruanda, em virtude de uma ordem de detenção europeia emitida pelas autoridades da Espanha", afirmou um porta-voz do Foreign Office (ministério britânico das Relações Exteriores).
"Karake foi detido por agentes da unidade de extradição da polícia de Londres no aeroporto de Heathrow", afirmou um porta-voz da Scotland Yard.
Apesar do porta-voz ter afirmado que as autoridades espanholas desejam a extradição por sua "conexão com crimes de guerra contra civis", ao que parecer as acusações se limitariam a atos de terrorismo vinculados à morte de espanhóis.
No momento da emissão da ordem contra Karake, em 2008, a Espanha tinha jurisdição universal que permitia julgar os responsáveis por crimes contra a humanidade onde quer que estivessem. A jurisdição universal foi limitada pelo atual governo e, segundo uma fonte judicial espanhola disse à AFP, Karake é agora procurado apenas pelo que aconteceu às vítimas espanholas".
O general ruandês, de 54 anos, compareceu a um tribunal de Londres no sábado à tarde e terá uma nova audiência na quinta-feira. A detenção aconteceu sete anos depois da Audiência Nacional, a principal instância penal espanhola, iniciar um processo judicial contra 40 militares ruandeses acusados de genocídio e crimes de guerra. O Foreign Office não comentou a detenção, mas indicou que existe uma "relação profunda e antiga" entre o Reino Unido e Ruanda.
Solidariedade europeia
O caso apresenta semelhanças com a detenção do ditador chileno Augusto Pinochet em 1998. Pinochet passou dois anos em Londres, entre recursos e apelações, mas no final dos trâmites não foi enviado a Espanha por razões humanitárias.
O governo de Ruanda reagiu à detenção, que chamou de loucura. "A solidariedade europeia para desonrar os africanos é inaceitável. É um escândalo deter uma autoridade de Ruanda com base na loucura dos pró-genocidas", escreveu no Twitter a ministra das Relações Exteriores, Louise Mushikiwabo.
Após a notícia, o ministro da Justiça de Ruanda, Busingye Johnston, cancelou uma visita a Espanha. Um funcionário da chancelaria do país africano disse à AFP que a detenção é um "horror", relacionada "com as piores teorias da conspiração".
Karake, que foi entre 2008 e 2009 o número dois da Minuad, a missão de paz da ONU e da União Africana em Darfur, oeste do Sudão, é reclamado pela justiça espanhola ao lado de outras 39 pessoas por suposta responsabilidade nos massacres de civis do Exército Patriótico Ruandês (APR), braço armado da Frente Patriótica de Ruanda (FPR), o partido dominante atualmente, do presidente Paul Kagame.
A FPR foi um movimento rebelde que assumiu o poder em Ruanda em julho de 1994, acabando com o genocídio iniciado alguns meses antes, em abril, pelo regime extremista hutu que matou 800.000 pessoas, fundamentalmente tutsis.
Os documentos do processo de 2008 - que teria sido reduzido pela renúncia da Espanha à jurisdição universal - afirmavam que Karake "teria conhecimento e aprovado o massacre da população civil de 1994 a 1997 nas localidades de Ruhengeri, Gisenyiey Cyangugu, incluindo a morte de três espanhóis da organização Médicos do Mundo"
Os três voluntários (Flors Sirera, Manuel Madrazo e Luis Valtueña) foram assassinados em janeiro de 1997. Segundo a imprensa espanhola, os três ajudaram os sobreviventes de um massacre de hutus, pelo qual acusaram a Frente Patriótica de Ruanda. Os dirigentes da região teriam ordenado sua morte para acabar com testemunhas incômodas.