Agência France-Presse
postado em 14/07/2015 06:20
Viena, Áustria - O Irã e as grandes potências concluíram nesta terça-feira (14/7) um acordo histórico que praticamente impossibilita Teerã de construir uma bomba atômica por vários anos, em troca da retirada das sanções internacionais que asfixiavam a economia do país. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, celebrou o acordo, que segundo ele permite seguir em uma nova direção. Grã-Bretanha, Irã e União Europeia também celebraram o acordo "histórico", enquanto a Rússia afirmou que o mundo teve um "grande suspiro de alívio". A França afirmou esperar que, com o compromisso, "certas crises nas quais o Irã está envolvido direta ou indiretamente possam ser resolvidas mais facilmente". Ao mesmo tempo, Israel criticou o que chamou de "erro histórico" que permitirá ao Irã financiar "sua máquina de terror".
Esta é a primeira vez que um acordo de tão alto nível é concluído entre a República Islâmica e os Estados Unidos desde a ruptura das relações diplomáticas, em 1980. O anúncio representa uma grande vitória para o presidente moderado iraniano Hassan Rohani, para quem "Deus tornou realidade as orações" dos cidadãos do país, assim como para o presidente Obama.
Duas semanas depois do anúncio da reabertura da embaixada dos Estados Unidos em Cuba, o presidente americano conquista um novo triunfo diplomático no final de seu segundo e último mandato. Mas, com prudência, Obama advertiu que o acordo está baseado na verificação, não na confiança, e que ajudará a deter a proliferação de armas nucleares na região. "Todos os caminhos em direção a uma arma nuclear estão cortados", disse Obama em um discurso à nação na Casa Branca, acompanhado pelo vice-presidente Joe Biden.
"Este acordo nos dá a possibilidade de seguir em uma nova direção. Devemos aproveitar", completou Obama, que citou "diferenças bem reais" e "uma história difícil que não pode ser ignorada", antes de destacar, no entanto, que a mudança é possível. Obama, que considerava este acordo uma das prioridades de sua política externa, advertiu ainda o Congresso americano contra uma eventual rejeição "irresponsável" do mesmo. "Pensem no que poderia ter acontecido sem este acordo", disse, em uma mensagem aos congressistas, antes de insistir no risco que representaria uma corrida armamentista nuclear na "região mais instável do mundo".
A televisão pública iraniana transmitiu ao vivo o discurso de Obama. Esta é a segunda vez em 36 anos que a televisão pública transmite ao vivo o discurso de um presidente dos Estados Unidos. Pouco depois de Obama, o presidente iraniano afirmou, em um discurso à nação, que o acordo é "um ponto de partida" para restabelecer a confiança. "Se este acordo for aplicado corretamente (...) podemos pouco a pouco eliminar a desconfiança", declarou Rohani. Também disse que o Irã "nunca tentará obter uma arma nuclear, com ou sem a implementação" do acordo concluído com as grandes potências em Viena.
Rohani afirmou que este tipo de armas "são contra nossa religião" e contradizem um decreto do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, contra a bomba atômica.
Bomba atômica
O acordo foi obtido após negociações intensas, iniciadas em setembro de 2013. A última etapa das conversações durou 18 dias, um prazo sem precedentes desde os acordos de Dayton que acabaram com guerra da Bósnia-Herzegovina em 1995. As discussões entre o Irã e o grupo 5%2b1 (os países membros do Conselho de Segurança da ONU - Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido - e a Alemanha) deveriam ter acabado em 30 de junho, mas a data limite foi prorrogada em várias ocasiões em função das divergências em "questões difíceis", que terminaram solucionadas.
O pacto final tem como base os grandes princípios estabelecidos em Lausanne em abril: Teerã se compromete a reduzir a capacidade nuclear (redução de dois terços do número de centrífugas de urânio em 10 anos, de 19.000 a 6.104, diminuição das reservas de urânio enriquecido) durante vários anos e a permitir que os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) realizem inspeções profundas em suas instalações.
O objetivo é tornar quase impossível que o Irã consiga fabricar a bomba atômica, permitindo ao mesmo tempo a Teerã, que sempre negou o objetivo militar, o direito de desenvolver uma indústria nuclear civil. O texto, que autoriza Teerã a prosseguir com o programa nuclear civil, permitirá normalizar as relações do Irã com o mundo.
[SAIBAMAIS]Após a redução das instalações iranianas segundo os termos do acordo, Teerã precisará de um ano para voltar a ter a capacidade de fabricar a bomba atômica, contra os três meses atuais, explicou o secretário de Estado americano John Kerry. Em troca, as sanções internacionais adotadas desde 2006 pelos Estados Unidos, a União Europeia e a ONU, que sufocam a economia do país, serão retiradas de maneira progressiva a partir de 2016 caso a República Islâmica cumpra os compromissos. Em caso de violação do acordo, poderão ser restabelecidas, uma situação que vai durar 15 anos. O embargo de armas continuará pelos próximos cinco anos.
Aplicação do acordo
Os investidores se dizem dispostos a retornar ao país de 77 milhões de habitantes, que tem a quarta maior reserva de petróleo no mundo e a segunda em gás. O Irã, que integra a Opep, poderá voltar a exportar petróleo. A aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU de uma resolução para validar o acordo acontecerá nos próximos dias, segundo Paris.
Os iranianos, que deram a vitória na eleição presidencial de 2013 a Hassan Rohani sob a promessa de acabar com as sanções, esperavam o acordo com impaciência, apesar da hostilidade manifestada dos partidários da linha dura, tanto no Irã como nos Estados Unidos. Em Washington, o acordo deve ser submetido ao Congresso, de maioria republicana e muito cético a respeito das intenções de Teerã. Mas Obama já fez sua advertência contra uma rejeição "irresponsável".
Após as dificuldades da aprovação, será a vez da aplicação, um processo muito complicado, segundo o professor Siavush Randjbar-Daemi da Universidade de Manchester. "Neste momento as coisas podem complicar", disse. Mas o diretor geral da AIEA, Yukiya Amano, se mostrou otimista e expressou sua "confiança" na capacidade da agência de supervisionar a aplicação dos termos do acordo.