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Atos de xenofobia e pedidos de refúgio preocupam a Alemanha

A Alemanha tem, na verdade, uma longa tradição de receber refugiados, em parte como resposta ao passado de perseguição nazista

Na madrugada do dia 27 de Julho, Michael Richter acordou com um estrondo do lado de fora de casa. O carro dele estava em chamas. Para Richter, membro do partido de esquerda Die Linke, o ataque foi uma represália ao apoio dado, por ele e pela legenda, à vinda dos refugiados.

;Eu recebi ameaças de morte;, disse ele. ;Mas vou continuar meu trabalho, porque é exatamente isso que os extremistas de direita querem: nos amedrontar. E esse medo não pode prevalecer.;



Em visita esta semana a um abrigo em Eisenhuettenstadt, no extremo Leste, o ministro do Interior, Thomas de Maiziere, disse que a situação de intolerância é ;incompreensível, inaceitável e indigna; para o país. ;Nós vamos trabalhar contra isso com toda a força da lei e do poder político que temos;, afirmou o ministro.

O fluxo migratório é intenso nas fronteiras. Nos seis primeiros meses do ano, as autoridades alemãs receberam quase 180 mil pedidos de asilo. Já é mais que o dobro do número atingido no mesmo período do ano passado. A estimativa da Agência Federal para Migração e Refugiados é que as solicitações cheguem a 450 mil até o final do ano.

Os recentes incidentes xenófobos remetem também à ascensão, em outubro passado, do movimento de extrema direita Pegida, contra imigrantes, sobretudo muçulmanos. Em Dresden, cidade onde surgiu o movimento, milhares de simpatizantes foram às ruas, e o Pegida chegou a outras partes da Alemanha e também da Europa, como a França.

Mas as ruas também foram palco de marchas contra a xenofobia. Na cidade de Mannheim, no Oeste do país, ativistas lançaram, em Janeiro, o movimento Mannheim Diz Sim. Além de manifestações pró-asilo e anti-Pegida, eles criaram uma página na internet que permite deixar mensagens de solidariedade aos refugiados. Nessa e em várias outras cidades alemãs, a população quis mostrar que imigrantes são bem-vindos.

Discriminação
A Alemanha tem, na verdade, uma longa tradição de receber refugiados, em parte como resposta ao passado de perseguição nazista. Com o fim da 2; Guerra Mundial, o país abrigou milhões de desalojados e refugiados do Leste europeu. Depois do início dos anos 1990, a lei de asilo foi endurecida, mas a Alemanha continua sendo o Estado-Membro da União Europeia que mais recebe pedidos de refúgio ; em 2014, foram quase 203 mil solicitações, que corresponderam a 32.36% do total.

Mas, episódios de violência também fazem parte da história. Há cerca de 20 anos, o país enfrentou situação semelhante, quando casas e abrigos foram incendiados, resultando em mortes num momento de grande fluxo nas fronteiras. Para a especialista em história da migração Maria Alexopoulou, professora da Universidade de Mannheim, atualmente existe mais apoio aos refugiados do que duas décadas atrás.

Ela acredita, contudo, que a xenofobia continuará tendo espaço enquanto o país mantiver uma postura histórica de não integrar totalmente os imigrantes, apesar de ter recrutado tantos deles ; sobretudo turcos ; para reconstruir a nação após as duas guerras mundiais.

;Muitas pessoas ainda são indiferentes ao passado e ao que está acontecendo;, diz Alexopoulou. ;E ainda existe esse pensamento racista, que está nas estruturas da sociedade alemã e se mostra quando olhamos para como os imigrantes são discriminados aqui, estruturalmente e no dia a dia;, completa a especialista, filha de gregos, mas, nascida na Alemanha.

Aqueles que atualmente fogem de situações de guerra ou de extrema pobreza, como as populações do Oriente Médio e do Oeste da África, se conseguirem asilo, ainda terão o desafio de se estabilizar numa Alemanha reconhecida como país não migratório. ;Não somos um país de imigração;, destaca a especialista.

Mas projetos como o Arrivo Berlin, desenvolvido na capital, oferecem uma chance. Os refugiados recebem ajuda para aprender o idioma e entrar para o mercado de trabalho. A iniciativa é reconhecida como um exemplo na Europa, diante de políticas focadas no controle das fronteiras, e que não têm conseguido lidar com a questão migratória.

;As pessoas que vêm aqui às vezes têm anos de experiência e têm grande motivação para serem integradas e darem uma contribuição;, diz Anton Schuenemann, coordenador do programa. Tahir Mohammad, que veio do Chade, na África, vê nos cursos uma chance real de conseguir um emprego. ;Não é fácil, mas eu quero aprender. E seguir em frente.;