Agência France-Presse
postado em 04/09/2015 11:45
O ex-presidente da Guatemala Otto Pérez, que está detido, ouviu nesta sexta-feira (4/9) uma nova série de evidências apresentadas pelo Ministério Público que o vinculariam a um esquema de corrupção, a dois dias das eleições gerais no país centro-americano.[SAIBAMAIS]Enquanto Pérez, de aspecto sério e olhando para baixo, anotava detalhes das escutas telefônicas apresentadas como evidências contra ele, 150 indígenas se manifestavam em frente à sede do tribunal onde ocorria o segundo dia de audiências perante o juiz Miguel Angel Gálvez.
Na quinta-feira (3/9), o juiz decretou uma ordem de prisão provisória contra Pérez por risco de fuga e para proteger sua integridade física, horas após sua renúncia à presidência ante a acusação do Ministério Público de ter comandado uma rede de fraude fiscal em seu governo.
O esquema de cobrança de subornos para sonegar impostos veio à tona em abril passado através do Ministério Público e da comissão da ONU contra a impunidade na Guatemala (CICIG), e provocou manifestações populares pedindo a renúncia de Pérez e de sua vice-presidente Roxana Baldetti, que deixou o cargo em maio.
O caso contra Pérez, que passou a noite de quinta-feira detido no quartel militar de Matamoros, criou um clima de ebulição na reta final para as eleições do próximo domingo, quando a Guatemala escolherá seus novos presidente e vice-presidente, 158 deputados e 20 representantes do Parlamento Centro-Americano.
Os guatemaltecos indignados, que não pararam de protestar pacificamente todas as semanas desde o início das denúncias de corrupção, em abril, exigem uma mudança no sistema político. "Os políticos faziam o que queriam, mas esses casos de corrupção fizeram com que muitos despertassem e não vamos fechar nossos olhos novamente", disse à AFP Luisa Monterroso, uma nutricionista de 34 anos que esteve em vários protestos. "Acredito que a Guatemala mudou de agora em diante os candidatos e as novas autoridades serão mais fiscalizadas", agregou.
As pessoas vigiarão
À frente das pesquisas eleitorais se destacam três candidatos, do total de 14 inscritos, com possibilidade de passar para o segundo turno, no dia 2 de outubro. Uma pesquisa publicada na quinta-feira pelo jornal Prensa Libre situou em primeiro lugar Jimmy Morales, um comediante de 46 anos do partido de direita Frente de Convergência Nacional, com 25% das preferências.
Seguem o advogado direitista Manuel Baldizón, de 45 anos, do partido Liberdade Democrática Renovada, com 22,9%, e a ex-primeira-dama Sandra Torres, de 59 anos, da social-democrata União Nacional da Esperança, com 18,4% das intenções de voto.
Para muitos guatemaltecos, as eleições de 2015 são um divisor de águas devido à queda de Pérez. "Cada presidente que chega promete uma coisa e não cumpre. Todos são corruptos e ladrões, mas agora deverão cumprir suas promessas pois estamos os vigiando", disse à AFP o vendedor de cachorro-quente Orlando Pérez, de 22 anos.
Ainda assim, alguns analistas alertam que a renúncia de Pérez não erradica a prática clientelista da política guatemalteca que sustenta a corrupção.
Corrupção com raízes profundas
O deputado indígena Amílcar Pop, um opositor que, em junho, foi o primeiro a propôr que Pérez perdesse sua imunidade, alertou no Congresso que a corrupção tem raízes profundas que não são eliminadas com a aplicação de processo de autoridades que estão saindo.
"O presidente e a vice-presidente serem processados por corrupção não resolve a crise. Eleger um novo presidente não resolve a crise, porque há muitos candidatos envolvidos em atividades questionáveis", alegou Pop na sessão legislativa que aprovou na última quinta-feira a renúncia de Pérez.
No mesmo sentido, para o economista Mynor Cabrera, da Fundação Econômica para o Desenvolvimento, o problema real é o modelo financeiro dos partidos políticos, no qual quem financia "espera recuperar o dinheiro depois". "O problema é que tem gente que se alimentou desse sistema e tem muito poder", afirmou Cabrera.
No entanto, o ex-magistrado colombiano Iván Velásquez, chefe da CICIG, disse em uma entrevista que "esta é a oportunidade mais importante, provavelmente a única, que a Guatemala tem de sair deste estado de corrupção".