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Acordo de paz histórico entre Farc e Colômbia será concluído em seis meses

Reunião foi celebrada em Havana com a presença de Raúl Castro

Agência France-Presse
postado em 24/09/2015 08:03
Havana, Cuba - O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou nessa quarta-feira (24/9), em Havana (Cuba), ter acordado com o líder das Farc, Timoleón Jiménez ("Timochenko"), a assinatura de um acordo final de paz em até seis meses. Foi a primeira vez que os líderes se encontraram pessoalmente. "O chefe do secretariado das Farc e eu acordamos que, no mais tardar em seis meses, esta negociação deve ser concluída e um acordo final [de paz], assinado", disse Santos na presença de Jiménez e do presidente cubano, Raúl Castro.

Aperto de mão histórico entre Timochenko e Juan Manuel Santos

"Não vai ser uma tarefa fácil porque faltam muitos pontos difíceis para acertar, mas esta é a instrução que demos às nossas delegações", disse o presidente colombiano, que fez uma escala em Havana para assistir à assinatura de um acordo de criação de "uma jurisdição especial para a paz". Ele espera que o acordo final possa estar pronto no máximo até 23 de março de 2016, mas Timochenko afirmou que a guerrilha fará "o máximo esforço para tentar cumprir, chegar ao acordo final antes de seis meses".

[SAIBAMAIS]O acordo sobre justiça "vai gerar, sem dúvida, ambiente propício para avançar sobre convênios nos demais temas da agenda" de paz, declarou Timochenko. "Estamos dispostos a assumir responsabilidades por nossas atuações ao longo da resistência [...]", completou.

Timochenko destacou que esse novo sistema de Justiça foi desenhado "para todos os envolvidos no conflito (...) e não apenas para uma das partes" e "abre possibilidades de oferecer verdade detalhada e plena" sobre o conflito. Até hoje, o número de vítimas chega a 220.000 mortos e seis milhões de deslocados. "Não fizemos um acordo sobre um sistema extrajudicial, pelo contrário. Acertamos uma jurisdição especial para a paz", explicou Santos.

Logo após o anúncio, a promotoria da Colômbia anunciou a suspensão dos processos contra membros da cúpula das Farc por "graves violações dos direitos humanos". "Em virtude deste acordo em matéria de justiça transicional, dei instruções muito precisas para que se suspendam todas as ações que estavam programadas contra a cúpula das Farc (...) por graves violações dos direitos humanos", disse o promotor-geral, Eduardo Montealegre.

Rara foto reunindo todos os fundadores da Farc. O líder na época, Luis Alberto Morantes Jaimes (2º D), Jacobo Arenas (à frente) e os comandantes Alfonso Cano (E), Raul Reyes (2º E) e o atual líder Timoleon Jimenez (D)

Santos fez uma viagem surpresa a Havana, onde as negociações são celebradas. Esta foi a primeira vez que ele apareceu nas negociações que ele pôs em andamento há quase três anos, em cujo sucesso apostou sua presidência. Após a assinatura do acordo, ambos se apertaram as mãos.

"Estamos, agora, mais perto de conseguir paz que o povo irmão colombiano tanto deseja e merece. A paz na Colômbia é não apenas possível, é indispensável", celebrou Raúl Castro, na cerimônia que contou com a presença de diplomatas de Noruega e Cuba.



Na solenidade, esses representantes dos países garantes do processo de paz para a Colômbia leram o texto do acordo sobre Justiça. "Estamos vendo o amanhecer da paz, com uma mensagem clara para os colombianos", comemorou o senador colombiano da base governista Roy Barrera, um dos legisladores que acompanharam Santos a Havana.

As negociações em Havana, iniciadas em novembro de 2012, tinham empacado na espinhosa questão sobre se os guerrilheiros deveriam ser condenados à prisão por sequestros, uso de crianças-soldado, tráfico de cocaína e outros crimes. As Farc começarão a se desarmar 60 dias depois da assinatura do acordo final para se tornar movimento político.


Acordo pós-conflito
O comunicado conjunto das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e do governo de Santos divulgado nesta quarta-feira prevê a forma como será aplicada a justiça quando o conflito armado de mais de meio século for encerrado. As duas partes acertaram uma "ampla anistia" após o fim do conflito, excluindo da mesma os crimes contra a humanidade.

Segundo o texto do acordo, "o Estado colombiano outorgará a anistia mais ampla possível a delitos políticos e correlatos (...) Em todo caso, não serão objeto de anistia ou indulto as condutas tipificadas na legislação nacional que correspondam a crimes contra a humanidade, o genocídio e os graves crimes de guerra, entre outros delitos graves, como a tomada de reféns ou outra privação grave da liberdade, a tortura, o deslocamento forçado, o desaparecimento forçado, as execuções extrajudiciais e a violência sexual". A jurisdição especial contará com salas de justiça e um tribunal para a paz.

Policiais e forças armadas da Colômbia em vilarejo para proteção de ataques da Farc. Essa foi um dos últimos combates entre as duas partes antes do acordo

O governo colombiano e as Farc já realizaram negociações de paz anteriormente, a última no fim dos anos 1990 e começo dos 2000, mas terminaram em fracasso e as hostilidades foram retomadas.

Até agora, as partes acertaram três dos seis pontos da agenda e nos últimos ciclos de diálogo (41 foram celebrados até agora) vinham discutindo a reparação às vítimas, que inclui o tema da justiça, enquanto uma subcomissão conjunta preparava paralelamente planos para um cessar-fogo definitivo. Desde julho vigora na Colômbia uma trégua unilateral das Farc, e o presidente Santos determinou a suspensão de bombardeios contra posições rebeldes.

As duas partes encerraram o tema da reforma agrária (maio de 2013), participação política (novembro de 2013) e das drogas ilícitas (maio 2014). Além disso, acertaram em março deste ano um programa de retirada de minas e, em abril, a formação de uma Comissão da Verdade.

Aperto de mão histórico entre Timochenko e Juan Manuel Santos

Principais pontos do acordo celebrado entre as Farc e Colômbia
- Criar uma Comissão para o esclarecimento da verdade, a convivência e a não repetição desses crimes.
- Criar uma Jurisdição Especial para a Paz, que contará com Salas de Justiça e com um Tribunal para a Paz.
- A função essencial das Salas e do Tribunal para a Paz é acabar com a impunidade, obter a verdade, contribuir para a indenização das vítimas e julgar e impor sanções aos responsáveis pelos graves crimes cometidos durante o conflito armado.
- Ao final das hostilidades, o Estado colombiano outorgará a anistia mais ampla possível pelos delitos políticos e conexos. Não serão alvo de anistia crimes contra a humanidade, genocídios, crimes de guerra, deslocamento forçado, desaparecimento forçado e violência sexual, entre outros.
- A Jurisdição terá competência em relação a todos que, de maneira direta ou indireta, tiverem participado do conflito armado interno, incluindo as FARC-EP e os agentes do Estado.
- Os que admitirem seus crimes receberão uma pena mais leve do que os que negarem.
- As sanções que forem impostas pelo Tribunal terão como finalidade essencial satisfazer os direitos das vítimas e consolidar a paz.
- As sanções para quem reconhecer delitos muito graves terão um mínimo de cinco anos e máximo de oito de restrição efetiva da liberdade, em condições especiais.
- As pessoas que tiverem feito esse reconhecimento de maneira tardia perante a Justiça receberão penas de cinco a oito anos de prisão, em condições ordinárias.
- No caso das Farc, a participação no sistema integral estará sujeita à deposição das armas, que deve começar, no mais tardar, os 60 dias depois da assinatura do Acordo Final.
- A transformação das Farc em um movimento político legal contará com todo o apoio do governo nos termos do acordo.


Soldados da Farc durante parada militar em San Vicente, Colômbia

Evolução cronológica do acordo
Abaixo montamos, em ordem cronológica, o passo a passo dos diálogos iniciados formalmente em 19 de novembro de 2012 em Havana com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, comunistas), que têm Cuba e Noruega como avalistas e Venezuela e Chile como observadores:

2012
- 19 de novembro: instalada em Havana a mesa de negociações, um mês depois de as partes iniciarem a primeira rodada de diálogos na Noruega. O chefe da delegação do governo é Humberto de La Calle e o das Farc, Iván Márquez.

2013
- 26 de maio: acordo parcial sobre o desenvolvimento agrário, um dos seis pontos do mapa do caminho pactuado.
- 23 a 26 de agosto: suspensão temporária dos diálogos pelas Farc, após a proposta do governo de referendar um tratado de paz definitivo com um referendo e não com uma Assembleia Constituinte, como pedem os insurgentes.
- 6 de novembro: segundo acordo parcial, sobre participação política dos ex-guerrilheiros.

2014
- 3 de fevereiro: escândalo de espionagem por parte de inteligência militar a todos os negociadores de paz.
- 16 de maio: terceiro acordo parcial sobre solução para o problema das drogas ilícitas.
- 15 de junho: reeleição de Santos para o período 2014-18.
- 15 de julho: começa a discussão sobre as vítimas do conflito, ainda em curso. Este ponto inclui dois subtemas: reparação, verdade e justiça.
- 15 de agosto: o primeiro de cinco grupos de doze vítimas cada dá seu testemunho à Mesa.
- 21 de agosto: criação da Comissão Histórica do Conflito, que tem seu informe final publicado em fevereiro de 2015.
- 22 de agosto: instalação da subcomissão de militares e guerrilheiros para o cessar-fogo bilateral e deposição das armas.
- 27 de setembro: novas denúncias de espionagem contra negociadores.
- 16 de novembro-10 de dezembro: suspensão temporária das conversações após o sequestro de um general do Exército pelas Farc.
- 20 de dezembro: começa a primeira trégua unilateral e indefinida das Farc.

2015
- 12 de fevereiro: as Farc renunciam a recrutar menores de 17 anos.
- 7 de março: acordo de retirada de minas conjunto entre militares e guerrilheiros.
- 10 de março: Santos ordena a suspensão de bombardeios contra as Farc por um mês.
- 15 de abril: 11 militares morrem em ataque das Farc; recomeçam os ataques aéreos do governo.
- 23 de maio: fim da trégua unilateral e indefinida das Farc após o bombardeio do governo, que deixa 26 guerrilheiros mortos.
- 5 de junho: criação da Comissão da Verdade.
- 12 de julho: Santos dá prazo de quatro meses para decidir se continua com o processo de paz.
- 20 de julho: nova trégua unilateral das Farc; cinco dias depois, Santos reordena a suspensão dos bombardeios.
- 17 de setembro: as Farc anunciam que estão prontas para se tornar um movimento político.
- 23 de setembro: Santos e Timochenko se encontram em Havana e acordam o processo judicial a ser adotado para crimes cometidos durante o conflito, um ponto-chave que bloqueava o avanço dos diálogos de paz. O presidente colombiano anuncia que um acordo final de paz será assinado "no mais tardar em seis meses".

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