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Desesperança faz disparar número de suicídios na Faixa de Gaza

Mas as famílias se negam a falar sobre este tema tabu, já que o Islã condena o suicídio

Agência France-Presse
postado em 29/09/2015 18:15

Gaza, Territórios palestinos - Muamar Quider tentou se suicidar poucos dias antes do casamento, aflito pelo desemprego e pelas humilhações que marcam a vida cotidiana na Faixa de Gaza, controlada com mão de ferro pelo movimento islamita Hamas.

"Fecharam todas as portas para mim", disse Quider, de 21 anos, que sobreviveu milagrosamente à forte dose de raticida que tomou em um momento de desespero.

"A polícia municipal de Gaza confiscou meu ponto de venda e a balança com a qual pesava as uvas", explica, recordando as detenções recorrentes que sofria durante o dia nas horas de maior venda.

É impossível obter uma estatística oficial sobre suicídios na Faixa de Gaza, mas uma fonte dos serviços de segurança informou à AFP que os números são "assustadores" e as tentativas, quase diárias.

Mas as famílias se negam a falar sobre este tema tabu, já que o Islã condena o suicídio.

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A polícia nega que o suicídio tenha se transformado em um "fenômeno".

No entanto, médicos se preocupam com o aumento da quantidade de pacientes que ingerem produtos tóxicos, embora reconheçam que corresponde à polícia determinar as circunstância da intoxicação.

Mohamed Au Asi, um pai de família de 30 anos, ficou vários dias em coma após ter ingerido veneno. "Aos 30 anos, não tenho como alimentar meus filhos pequenos. Preferi tirar minha vida antes de vê-los morrer", declarou.

A Faixa de Gaza está encurralada, desesperada. Em 2014, a última guerra com Israel - a terceira em seis anos - semeou luto e devastação.

O pequeno território onde se amontoam 1,8 milhão de palestinos é sufocado por um bloqueio total de Israel e quase total do Egito.

A reconstrução das ruínas da última guerra demora a terminar, enquanto o acesso à água corrente e à eletricidade continua restrito.

Jovens desempregados

A taxa de desemprego chega a 42% da população ativa, segundo um relatório do Banco Mundial, e mais de 60% dos jovens não têm trabalho, 39% da população vivem abaixo da linha da pobreza e 80% dependem de diferentes formas de ajudas para viver.

A situação é tal que 52% dos habitantes de Gaza querem ir embora, segundo uma pesquisa recente, mas Israel não deixa passar quase ninguém e a fronteira com o Egito está frequentemente mais fechada do que aberta.

Alguns tentam a perigosa travessia do Mediterrâneo com a esperança de chegar à Europa.

O pai de família explica as razões de sua tentativa de suicídio, depois que a polícia fechou um bar que havia instalado à beira-mar.

"Todos, jovens ou velhos, vivemos na pobreza. Quando alguém prefere a morte à vida quer dizer que não lhe resta mais nada", disse Asi, entre indignação e resignação.

"Os líderes de Gaza" são responsáveis pela situação, assegura o pai de Asi. "Conhecem o sofrimento de nossos filhos, mas não fazem nada. Nos esmagam com seu lema ;paciência, povo heroico;. Mas o único lugar para o qual nos levam é a morte", afirmou.

Em abril passado, a polícia do Hamas cortou pela raiz um movimento juvenil de protesto.

"Há um verdadeiro conflito entre os habitantes e as instituições. Uns pedem um salário, os outros, impostos. Esse conflito cria um ambiente propício a comportamentos violentos, seja contra as instituições ou contra sua própria pessoa, e o suicídio é uma manifestação disso", explica Fadel Achour, psicólogo e universitário.

"A principal causa destes suicídios é o desespero dos jovens", declara o economista Omar Chaabane.

Diante de uma "sociedade que os prejudica e os oprime, o suicídio, a violência e a radicalização são respostas que fazem temer a explosão" de um território superpovoado que em 2020 pode se tornar "inabitável", alerta a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

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