Rodrigo Craveiro
postado em 30/09/2015 09:50
O conflito na Síria faz parte de um complô para desmantelar o Estado e atender aos interesses de Israel. É o que afirmou ao Correio Ghassan Nseir, embaixador da República Árabe da Síria no Brasil. Em entrevista exclusiva, ele colocou em xeque a coalizão criada pelos Estados Unidos para combater o Estado Islâmico e insinuou que alguns dos países-membros da aliança fazem jogo duplo, ao apoiar os jihadistas. Para o diplomata, a única solução para o conflito que se arrasta há quatro anos parte de um processo de diálogo interno. ;Qualquer oposição síria que não tenha agenda ligada ao exterior é bem-vinda para sentar à mesa e discutir. Qualquer acordo será proposto ao povo;, afirmou. Para Ghassan, o ideal seria que o Ocidente unisse esforços a Damasco para combater o terrorismo na Síria e devolver a estabilidade à nação. O embaixador também desqualificou denúncias de organizações não governamentais sobre a matança de civis por parte do regime e alertou que a crise migratória está minando a capacidade humana síria. Por que o governo sírio não consegue controlar a expansão do Estado Islâmico em seu território?
Este grupo terrorista ligado à Al-Qaeda e à Jabhat Al-Nusra (Frente Al-Nusra) ainda recebe apoio de alguns países, como a Arábia Saudita, o Catar e a Turquia. Até mesmo dos Estados Unidos, os mesmos que criaram um grupo de aliados para combater essa facção extremista, o qual não tem qualquer efeito. O Exército sírio está combatendo em 400 frentes. Eu acredito que nenhum exército no mundo seria capaz de manter essas frentes de combate durante quatro anos. Nós podemos considerar que essa aliança formada pelos EUA e composta por 62 países não conseguiu conter o avanço do Estado Islâmico (Daesh, pelo acrônimo em árabe). Essa luta tem que ser no terreno, não por meio de bombardeios ou do lançamento de mísseis. O certo seria eles cooperarem com o Exército sírio para pôr fim a esse terrorismo. O Estado Islâmico (EI) recebe apoio financeiro e ainda consegue se manter por meio do petróleo tomado da Síria, do roubo de artefatos e de antiguidades, os quais são vendidos para os EUA através da Turquia e de vários países europeus. Não existe lógica no fato de que o EI, sozinho, consiga combater uma aliança formada por 62 países. Em primeiro lugar, devemos acabar com essas fontes de financiamento e armamento desses grupos terroristas e fechar a região das fronteiras para que eles não possam passar.
Mas há muitos sírios que tentam abandonar o país. Isso não comprometeria o fluxo dos refugiados?
Essa questão dos refugiados é muito complexa e somente apareceu por causa da Turquia. Se a gente conseguisse acabar com o terrorismo, não haveria necessidade de essas pessoas fugirem. Os refugiados estavam na Turquia e, quando ela fracassou com o plano de criar uma zona de isolamento na fronteira, começou a expulsá-los do país.
O senhor afirma que Arábia Saudita, Catar, Turquia e Estados Unidos fomentam o Estado Islâmico. Todas essas nações fazem parte da coalizão contra os jihadistas. Por que se engajariam em um jogo duplo?
Porque eles querem desmantelar o Estado sírio. Isso já faz parte do complô para destruir e acabar com a unidade da Síria e do Estado sírio. Também pretendem enfraquecer a Síria, o único país símbolo da resistência da região que continua a exigir a devolução dos territórios ocupados (colinas do Golã) e a defesa dos direitos do povo palestino. No fim das contas, tudo o que acontece na Síria é para servir aos interesses de Israel. Ontem (segunda-feira), Israel entrou com esses grupos armados e bombardeou algumas localidades na Síria. A questão está clara como o sol, agora.
Obama usou a tribuna da ONU para classificar Bashar Al-Assad de ;tirano assassino de crianças;. Putin advertiu que o vácuo de poder fortaleceria o Estado Islâmico. Uma transição de governo em Damasco para pacificar o país está descartada?
Não é a primeira vez que o presidente americano inventa histórias para atacar um país. Por que o presidente Al-Assad não matava crianças cinco anos atrás? Somente agora ele resolver matar crianças? Em termos de direito internacional e conforme a Carta das Nações Unidas, nenhum país tem o direito de interferir nos assuntos internos de outro país e decidir qual vai ser o seu presidente. No ano passado, o presidente Bashar Al-Assad foi reeleito. E você sabe muito bem como esses países reagiram à realização das eleições... Para eles, qualquer coisa que o presidente faça vai ser ruim. O presidente Al-Assad tem uma popularidade muito maior do que todos esses outros presidentes que desejam a saída dele. Essa questão não procede e está contra a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. Por que eles querem que o presidente Al-Assad seja retirado do poder? Será que não querem colocar um líder fantoche, para ser manipulado como bem entendem? Antes dessa crise, a Síria vivia numa fase de bom nível de desenvolvimento e de prosperidade. Por que o presidente Al-Assad era tão bem-vindo entre 2008 e 2010, na Turquia, no Catar e na França, e, de repente, virou o grande demônio? Quanto ao vácuo no poder, quem é que decide se essa pessoa vai ser ou não presidente? Não seria o povo? Então, deixem que o povo dê seu voto nas urnas. Não é essa a democracia que todos conhecemos? O presidente Al-Assad venceu nas urnas. No dia que ele não mais vencer nas urnas, ele sairá e virá outro no lugar dele. Por que impõem condições à Síria para que o presidente seja retirado do poder? A Rússia mantém uma posição forte exatamente por se posicionar ao lado do direito internacional e da Carta das Nações Unidas. Será que o povo brasileiro aceitaria que outro país disse que ele tem de tirar a presidente? É vergonhoso ver presidente de países subirem à tribuna da ONU para fazer discursos exigindo a saída de um presidente. Isso vai contra a própria Carta das Nações Unidas. Será que você consegue vislumbrar como seria o mundo se isso fosse levado adiante?
[SAIBAMAIS]Qual seria uma solução plausível e definitiva para o conflito?
A solução para esse conflito é que todos os sírios devem se sentar, juntos, para discutir, sem qualquer interferência estrangeira no assunto. Qualquer oposição síria que não tenha nenhuma agenda ligada ao exterior é bem-vinda para sentar à mesa e discutir. Qualquer acordo feito nesta mesa será proposto ao povo e seria feito um referendo, onde a população diria se aceita ou não essa proposta, a mudança da Constituição, das leis, tudo... Qualquer assunto seria liberado para a discussão.
Inclusive a mudança do regime?
Se fosse um acordo entre sírios, por que não?
Mas um pacto não ficaria condicionado ao combate do Estado Islâmico?
Exato. Como os sírios podem se sentar a uma mesa para conversar se ainda temos a questão do combate ao terrorismo? A questão principal é o fim do terrorismo Nosso problema é que temos oposições que foram formadas por países como Arábia Saudita, Catar, Turquia e países ocidentais que se dizem oposições, mas não o são. Essas oposições não têm nenhuma influência sobre pessoas que carregam armas na Síria e nem base popular. Se fizermos qualquer acordo com eles, quem teria o poder de parar com os combates e o terror? Esse é nosso problema fundamental: países que apoiam o jogo dentro da Síria. Essas nações têm de parar de dar apoio ao terrorismo e entrar numa aliança com a Síria para combatê-los. Com ações, não somente com palavras.
Qual seria o interesse desses países em fomentar as oposições?
Para sabotar o Estado sírio e servir a Israel. Também para servir aos interesses da Irmandade Muçulmana, uma organização extremista internacional.
A Human Rights Watch e outras organizações não governamentais acusam o regime de Damasco de lançar barris-bomba sobre a população civil e classificam essa ação de crimes de guerra...
Essas alegações e essas organizações não trabalham da forma como deveriam. Quando você tem grupos terroristas fortemente armados, com armas pesadas, que entram e controlam aeroportos e cidades, como é que você quer que o país reaja? Nós vamos mandar o quê? Uma mensagem de SMS para eles? É dever do Estado defender os cidadãos e o território sírio. É isso o que o Exército e as forças de defesa vêm fazendo. Por que essa ONG não denunciou nada quando os terroristas explodiram uma escola em Akrama, na província de Homs? Os terroristas conseguem atravessar da cidade de Rota para Damasco quase todos os dias lançando morteiros contra prédios e pessoas. Como você quer que o país reaja a isso? O mesmo ocorre em Aleppo. Todas as semanas temos mártires em Aleppo. E onde está a Human Rights Watch?
Como o senhor vê a crise migratória na Europa?
A responsabilidade é da Turquia e dos grupos terroristas que expulsam as pessoas de dentro da Síria. Sem falar nas sanções impostas pelos EUA e pela Europa, que têm sufocado a economia. Para vermos até que ponto chega a hipocrisia desses países. Eles falam que querem ajudar o povo sírio, mas bloqueiam a entrada de alimentos e de remédios. Quanto à disposição dos países europeus de receber refugiados, não estamos fazendo comércio com o nosso povo. Queremos que eles fiquem dentro do país. Em vez de fingirem choro por causa daqueles que morrem no ar, eles tinham que dar um basta no terrorismo. Estão esvaziando o país de suas capacidades humanas. Essas pessoas que fogem da Síria são muito bem instruídas, são médicos, engenheiros, professores, cientistas etc. Em vez de tratarem das consequências, eles deveriam abordar a raiz do problema. Muitos dos que se dizem refugiados sírios não são sírios, usam isso para entrar na Europa. Há uma orientação islâmica de mudança do tipo de tecido social europeu por meio dessa migração. Existe uma força por trás desse fenômeno.
Em quanto tempo o senhor crê que a Síria encontrará a paz?
Nem o profeta sabe disso. Os países envolvidos nessa questão são vários, cada um com seus interesses. A questão não é entre sírios, mas entre países. A Síria conseguiu sair da parte difícil. É como se fosse uma garrafa. Saímos do fundo da garrafa, graças a sacrifícios feitos pelo nosso exército e por nosso povo. Nós venceremos quando ensinarmos ao mundo o amor que temos por nosso país e a nossa vontade de mantê-lo soberano, livre e independente. Não estamos apenas lutando pela Síria, mas pelo mundo, para que todos os povos saibam como é enfrentar o imperialismo e seus interesses escusos. Nosso objetivo: ou vivemos com dignidade ou morremos com dignidade.