Rodrigo Craveiro
postado em 12/10/2015 09:39
O chileno José Miguel Vivanco já atuou como advogado da Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 1990, fundou o Centro para Justiça e Direito Internacional, entidade não governamental que apresenta queixas perante órgãos internacionais de direitos humanos. Também foi professor de direito na Universidade de Georgetown e na Universidade Johns Hopkins. Hoje, Vivanco ocupa um dos cargos mais importantes da Human Rights Watch, a ONG que fiscaliza violações de direitos humanos em todo o mundo ; ele é o diretor executivo para as Américas. Em visita recente ao Correio, Vivanco conversou com a reportagem sobre as denúncias de repressão e de ausência de poderes na Venezuela. Classificou o julgamento do opositor venezuelano Leopoldo López de ;farsa;, cobrou uma postura mais incisiva do Brasil em relação à condenação de abusos por parte do país vizinho e de outras nações da região, e admitiu que as democracias na América Latina são ;débeis;, à exceção de Uruguai e Chile.Os governos de esquerda na América Latina estão contaminados pelas violações aos direitos humanos?
Eu não creio que os governos que cometem violações dos direitos humanos, incluindo a liberdade pública e a de expressão, possam ser rotulados como ideologicamente de esquerda ou de direita. Eu poderia citar muitos exemplos de governos de direita que se encaixam nesse contexto, a começar pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez. Durante os seus dois mandatos, ele cometeu violações aos direitos fundamentais bastante graves. Também poderia mencionar o governo de Felipe Calderón, no México, que tem um deplorável histórico em matéria de direitos humanos. Nesse tema de direitos humanos, não podemos cair na tentação de associar governos de esquerda a violações. Em matéria de direitos humanos, é preciso nos orientarmos pelo histórico, pelos resultados. Nós encontramos governos de esquerda, de centro e de direita que cometeram violações dos direitos humanos muito graves.
É possível classificar países violadores dos direitos humanos de democracias?
Mais importante do que rótulos ; ;democracia;, ;democracia débil;, ;democracia corrupta; ou governo autoritário ; é enfocar no histórico. Há separação de poderes na Venezuela? Não há. A concentração de poderes é praticamente absoluta. Há um Poder Judiciário independente na Venezuela, tal como existe no Brasil? Não, ele está subordinado ao Executivo. Na prática, se trata de uma entidade burocrática, que valida as decisões do Executivo. Ao menos 80% dos juízes não têm segurança no cargo; podem ser destituídos e substituídos em menos de 24 horas. A juíza que julgou Leopoldo López, a senhora Susana Barreiros, pode ser destituída pelas autoridades superiores, como da Suprema Corte, que são abertamente chavistas. Os juízes estão ditados para aprofundar o socialismo bolivariano, não para acentuar ou defender a separação de poderes. Esses magistrados têm a faculdade de destituir, em menos de 24 horas, a 70% dos juízes na Venezuela.
Por que a democracia não se desenvolveu a plena forma na América Latina?
As democracias latino-americanas são débeis, em geral. Há exceções, como Uruguai e Chile. No geral, as democracias latino-americanas têm instituições fracas; os poderes judiciais não demonstram independência e força. O Brasil conta com um Poder Judiciário sólido e corajoso. Há muitos graus de diferença. Por exemplo, que dúvida cabe ao dizermos que a Colômbia tem uma sociedade violenta, com altos índices de criminalidade e muitos negócios ilícitos? Não somente o narcotráfico, mas a mineração ilegal, contrabando e corrupção. No entanto, a Colômbia pode demonstrar que conta com instituições judiciais sólidas e bastante independentes, capazes de defender seus foros. Eu não creio que seja justo colocar todas as democracias da América Latina num mesmo saco. Elas são distintas. Mas essa pergunta me leva a uma reflexão. É justamente por conta da debilidade de nossas instituições democráticas, como o que ocorre no México e na Venezuela, que é tão importante contar com uma imprensa e com meios de comunicação independentes, fortes, sólidos. Na prática, eles são os únicos que podem exercer o controle político. O melhor antídoto frente à corrupção e ao abuso de poder é uma imprensa livre.
Não é uma contradição uma imprensa livre numa nação controlada por ditadores?
Se um jornalista cubano quiser publicar uma notícia que felicitará o governo, ela será permitida. Se não convier ao regime, não será publicada. Os processos na Venezuela são de grande decomposição e degradação institucional. No Equador, há um esforço do governante para concentrar o poder. Ambos os casos são muito preocupantes, com graves retrocessos para os meios de comunicação. Mas eles não são comparáveis a Cuba, um regime totalitário, que nega o exercício de quase todas as liberdades públicas.
O Brasil é o maior país da América do Sul e um dos mais importantes economicamente. No entanto, tem uma amizade com Cuba, Venezuela e Equador. Como o senhor vê o fato de o Brasil muitas vezes se omitir de condenar as violações dos direitos humanos?
Durante muitos anos, a política externa do Brasil ; e eu digo desde a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva ; tem sido muito questionada, especialmente com relação ao tema da Venezuela. A responsabilidade fundamental recai sobre os ombros do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia. Indubitavelmente, ele tem uma afinidade ideológica com os governos de Hugo Chávez e de Maduro. Ele sempre privilegiou o apoio político a um modelo com o qual se simpatiza. Em lugar de prestar atenção à vigência de direitos tão fundamentais, como a liberdade de expressão, o direito à associação, a separação de poderes... A América Latina tem os olhos postos no Brasil. Cada vez que alguém pensa na Venezuela, pensa no Brasil e diz: ;O que fará o gigante do Sul para garantir que a situação comece a caminhar numa direção democrática?;
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