Agência France-Presse
postado em 15/10/2015 19:43
Santiago, Chile - Os estudantes universitários chilenos continuam pressionando a presidente Michele Bachelet para que melhore consideravelmente sua reforma educacional, principal promessa de campanha, diante das incertezas sobre seus alcances.Nesta quinta-feira (15/10) voltaram às ruas com o lema "Gratuidade sem transformar não é avançar", no mesmo cenário em que por anos se exigiu derrubar o sistema herdado da ditadura do falecido general Augusto Pinochet (1973-1990).
Depois de uma curta lua-de-mel após a chegada ao poder da presidente socialista, em março de 2014, os estudantes retomaram os protestos, inconformados com as medidas propostas por ela, que apresentou uma profunda reforma educacional como principal promessa eleitoral.
"Pedimos todo o ano uma reforma educacional transformadora", criticou nesta quinta-feira a presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, Valentina Saavedra, que liderou um novo protesto pelas ruas de Santiago.
No meio do trajeto, no asfalto da avenida Alameda, em pleno centro da capital, uma manifestante escreveu: "Nem negociação, nem propostas mornas, educação digna agora" - como demonstração da pressa que os jovens chilenos têm por mudanças concretas.
"Estamos em meio a uma profunda reforma educacional, em pleno processo, e isto obviamente indica que há muitas vozes e críticas sobre o que está sendo feito", declarou à AFP Manuel Sepúlveda, especialista da organização ;Educação 2020;.
Produto das reformas privatizadoras da ditadura de Pinochet, que reduziram à metade o aporte público à educação e fomentaram o ingresso de recursos privados, apenas 30% dos colegiais chilenos estudam hoje de graça nos ensinos fundamental e médio. No entanto, a universidade é paga por todos, obrigando as famílias a contrair dívidas milionárias para custear os estudos.
Lei de inclusão, o primeiro passo
Durante seu primeiro ano de governo, Bachelet conseguiu aprovar a chamada "Lei de Inclusão", que começará a vigorar em 2016, como ponto de partida de suas reformas.
A lei acaba com a seleção de estudantes, a obtenção de lucro em escolas que recebam subvenção estatal, e com o pagamento adicional feito pelos pais de crianças que frequentam estes colégios (hoje equivalente a 60% da matrícula).
Oitocentos centros educacionais terão inscrição gratuita a partir do ano que vem, beneficiando 230.000 estudantes, cerca de 6% do total, mas o fim da cobrança será gradativo: em 2017 será eliminado o co-pagamento em 93% dos colégios.
Quanto à educação superior, Bachelet resolveu antecipar para o ano que vem a implantação da gratuidade para estudantes sem recursos, o que tinha prometido fazer até o final de seu mandato, em 2018.
Acusações de improviso
Esta proposta, no entanto, é a que tem gerado mais disputas. Tanto estudantes quanto reitores de universidades a acusam de "improviso", já que a poucos meses de ser colocada em prática, continuam sem definição o montante, as instituições, os alunos beneficiados e os anos de estudo que o benefício vai cobrir.
"Há muita incerteza em tudo. Estou estudando e não sei se no próximo ano vou pagar ou não", critica Marcela Gómez, uma estudante de nutrição, que protestava ao lado de seus colegas nesta quinta-feira, em Santiago.
"Efetivamente houve certa pressa. É preciso ter pressa com relação à legislação, mas não sobre a implementação das medidas", acrescentou Manuel Sepúlveda.
Do ponto de vista político, Bachelet buscaria, com este anúncio, mostrar que cumpre sua palavra em meio à crise de confiança que o país vive depois do vazamento de vários casos de corrupção, inclusive um que envolve seu próprio filho.
Sua popularidade caiu para 22%, a mais baixa de seus dois mandatos, o que tira dela apoios fundamentais para concretizar suas ambiciosas reformas sociais.
"Em meio a esta crise de confiança, esta é sua forma de demonstrar que cumpre sua palavra", disse à AFP Robert Funck, analista e acadêmico da Universidade do Chile.
A desaceleração da economia local, puxada pela queda das exportações de sua principal commodity, o cobre, diminuíram os recursos para investir na milionária reforma educacional, cujo financiamento não estaria assegurado pelos recursos de uma reforma tributária aprovada no ano passado. "Não está claro de onde vão tirar o dinheiro para financiar semelhante transformação", adverte Funck.