Istambul, Turquia - A polícia da Turquia assumiu nesta quarta-feira (28/10) o controle de dois canais de TV ligados à oposição e forçou o fim de suas emissões, provocando uma nova onda de críticas à guinada autoritária do presidente Recep Tayyip Erdogan, a apenas quatro dias das eleições legislativas.
Durante a transmissão ao vivo, a polícia entrou na sede em Istambul dos canais Bugün TV e Kanaltürk, propriedade do grupo Koza-Ipek. Os agentes usaram gás lacrimogêneo e jatos d;água para dispersar os funcionários que tentaram impedir o avanço e exibiam cartazes com a frase "Bugün não se calará".
Os policiais forçaram a entrada no edifício com equipamentos, segundo as imagens exibidas ao vivo pelo site da Bugün TV.
Os agentes e os novos administradores do grupo nomeados pela justiça assumiram em seguida o controle dos canais, apesar da oposição do chefe de redação da Bugün TV, Tarik Toros.
"Queridos telespectadores, não se surpreendem caso vejam a polícia em nosso estúdio nos próximos minutos", disse Toros diante das câmeras, pouco antes de parar de emitir sinal.
Quando os agentes entraram na redação, ele afirmou: "Quem são vocês? Esta é minha emissora".
Também foram registrados confrontos dentro do edifício entre a polícia e os manifestantes e várias pessoas foram detidas, segundo o canal NTV.
"Todos os responsáveis por esta decisão terão que responder à história", disse o deputado de oposição Baris Yarkadas.
A justiça turca decidiu na segunda-feira assumir o controle do grupo Koza-Ipek, acusado pela promotoria de Ancara de financiar, recrutar e fazer propaganda a favor do imã Fethullah Gülen, principal rival do presidente Erdogan, que lidera a partir dos Estados Unidos uma ONG e várias empresas que o governo chama de "organizações terroristas".
Gülen, que foi aliado de Erdogan, se tornou seu principal inimigo após a explosão do escândalo de corrupção de 2013 que envolveu vários integrantes do governo.
Erdogan acusa o religioso de um complô para derrubar o governo. Muitos simpatizantes de Gülen foram detidos desde então.
Reações em cadeiaA tomada de controle das duas emissoras acontece quatro dias antes das eleições legislativas antecipadas de domingo e foi criticada pelos países ocidentais.
"Continuamos pressionando as autoridades turcas para que suas ações respeitem os valores democráticos universais, incluindo a liberdade de imprensa e de reunião", afirmou na terça-feira o porta-voz do Departamento de Estado americano, John Kirby.
Posteriormente, o governo americano manifestou sua preocupação e exortou seu aliado turco a "respeitar não apenas a liberdade dos meios de comunicação, mas também (...) seus próprios valores democráticos consagrados em sua Constituição".
"As eleições se aproximam (...). E é possível que a nossa voz seja difícil de ser ouvida em dois ou três dias seguintes", disse o copresidente do Partido Democrático dos Povos (HDP, pró-curdo), Selahattin Demirtas, que se aproximou do local.
"O poder demonstrou hoje o que acontecerá no país se no domingo não pusermos fim a esta opressão", alertou em sua conta no Twitter, deputado do Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata), Eren Erdem.
A União Europeia (UE) considera "preocupante" a intervenção do governo turco nas emissoras ligadas À oposição e pediu a Ancara que respeite a liberdade de imprensa.
"A situação a respeito do grupo Koza-Ipek é preocupante e acompanhamos de perto", disse Catherine Ray, porta-voz da chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
"Queremos reiterar a importância do respeito à lei e à liberdade de imprensa", completou.
A Turquia, como país candidato à adesão ao bloco, "deve garantir o respeito aos direitos humanos, que inclui a liberdade de expressão", destacou Catherine Ray.
"Vamos continuar apresentando o tema da liberdade às autoridades turcas", completou, antes de ressaltar o desejo da UE de que as eleições de domingo aconteçam de "acordo com os parâmetros democráticos e internacionais".
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, escreveu no Twitter que está "muito preocupado com a tomada de controle do Ipek Koza pouco antes das eleições".
A tensão entre o governo e os grupos de comunicação aumentou nas últimas semanas com a aproximação das legislativas, nas quais Erdogan e seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) esperam recuperar a maioria absoluta que tiveram durante 13 anos no Parlamento e que perderam nas eleições de junho.
No mês passado, a sede em Istambul do jornal Hürriyet foi cenário de protestos de manifestantes com gritos a favor do chefe de Estado.
A Turquia ocupa a posição 149 entre os 180 países citados na classificação mundial da liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras, atrás de Mianmar (144) e um pouco à frente da Rússia (152).
A Turquia, que almeja integrar a UE, é considerada pelo bloco um país chave para uma solução da crise migratória no continente.