postado em 14/11/2015 21:00
[VIDEO1]A primeira coisa que fiz quando acordei foi sair para cortar o cabelo ; estava enorme, não o aparei desde minha chegada à França, em setembro. A rua onde fica o salão tinha algumas lojas fechadas e um movimento fraco comparado a outros sábados de temperatura amena, como o de hoje, que fez 17;C.
desde a Segunda Guerra Mundial seriam o assunto do dia, pensei. Mas ninguém no salão falava no assunto. O Maxime, o moço que cortou meu cabelo, não mencionou uma palavra sobre o atentado. Depois, num café, a conversa do atendente com um casal de clientes era sobre a diferença de pastéis de Belém para pastéis de nata. Talvez porque a capital francesa fique longe de Bordeaux, onde moro ; a cerca de 600 km, uma distância considerável nos parâmetros daqui.
[SAIBAMAIS]Mas óbvio que não era isso. A cidade estava, sim, vazia demais para um sábado um pouco quente para o meio de outono. Toda a rotina mudou. A rua das lojas, a Sainte-Catherine, parecia viver um daqueles feriados em que nada abre. Na praça da Comédia, só um ou outro artista de rua, mas nenhuma bandinha ou violeiro para botar a trilha sonora. Nos prédios, bandeiras francesas amarradas, como manda o protocolo do luto oficial. Eventos esportivos, como um jogo de rúgbi (um dos esportes favoritos dos franceses) que ocorreria, todos cancelados.
O porquê do silêncio? A França está se acostumando com o estado de alerta permanente, me disse um jovem atendente de uma rede de fast-food que não se identificou. Desde os ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo, o país se sente em alerta permanente. ;A gente já imaginava;, ele me contou.
As manifestações fizeram pouco barulho: as estações de bonde exibiam cartazes feitos de canetinha dessas de escola em folha A4 com o lema francês, ;liberdade, igualdade e fraternidade;. O casal Muriel e Christian ; eles não se sentem à vontade para dar o sobrenome em uma hora dessas ; tentaram deixar uma solitária vela na vazia praça da Comédia, mas o vento a apagou em menos de um minuto. ;Achamos que viria mais gente deixar a homenagem aqui;, lamentou a mulher.
A preocupação recai, também, sobre a juventude formada por filhos de imigrantes. ;O racismo vai aumentar, sim;, confidenciou um adolescente negro que se identificou só como Slim. Mas ele não disse temer represálias. Falou, inclusive, que a França aprendeu a ser multicultural, só não avisaram isso aos racistas mais barulhentos nem aos jihadistas. E seguiu para encontrar os amigos no centro. Apesar de tudo, é sábado. O bares, restaurantes e boates continuam abertos, mesmo esvaziados pelo luto misturado com o medo que já vem fazendo parte da rotina dos franceses.
Lucas Vidigal é jornalista e mestrando em Informação e Comunicação na Universidade Bordeaux Montaigne