Agência France-Presse
postado em 09/12/2015 20:27
Caracas, Venezuela - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e a oposição endureceram suas posições em uma luta de poderes que ameaça elevar a tensão social e paralisar reformas para enfrentar a crise econômica, depois da esmagadora vitória da oposição nas eleições parlamentares.Mudando radicalmente o tom moderado com que aceitou a derrota no domingo, Maduro advertiu na madrugada de hoje que enfrentará todas as ações da futura Assembleia Nacional, começando por vetar a anistia para presos políticos proposta pela oposição como primeiro ato legislativo.
"A cada medida que a Assembleia tomar, teremos uma reação, constitucional, revolucionária e, sobretudo, socialista", declarou Maduro em seu programa de televisão, ao comentar as últimas eleições, nas quais o chavismo perdeu a hegemonia de 16 anos desde a chegada ao poder de Hugo Chávez, falecido em 2013. Líderes opositores acusaram o oficialismo de "soberba".
"Infelizmente, a derrota os deixou política e emocionalmente no chão. São incapazes de ler o que o país lhes disse", comentou o secretário-executivo da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), Jesús Torrealba.
"Não buscamos briga, mas não vamos sair correndo. O governo acha que, com bravatas, vai-nos intimidar", disse o deputado eleito Henry Ramos Allup, que poderá substituir Diosdado Cabello, número dois do chavismo, na presidência do Parlamento.
Hoje, a oposição negou que esteja planejando um golpe para tirar Maduro abruptamente ao poder. Afirmou, ainda assim, que não vê o presidente encerrando seu mandato, devido às condições adversas na política doméstica. "Nós não queremos derrubar ninguém", insistiu Ramos Allup.
"Considerando, objetivamente, todos os fatores dentro e fora do governo, a situação econômica, política (...), não vejo este governo chegando a seu fim natural, que seriam as próximas eleições (de 2018)".
"Maduro, se você renunciar, teremos eleições em 30 dias", afirmou Ramos, em entrevista ao canal privado Globovisión.
Ramos Allup denunciou que legisladores recém-eleitos foram "ameaçados" por milícias que seriam ligadas ao governo, para impedir sua posse em 5 de janeiro do ano que vem.
Sem especificar a origem dessas ameaças, Ramos disse esperar que as Forças Armadas preservem a ordem, "como sempre garantiram", e evitem que os "coletivos" amedrontem os deputados e obstruam a ocupação de suas cadeiras. ;Ninguém vai me parar;, diz Maduro
A oposição de centro-direta obteve 112 cadeiras contra 55 do oficialismo socialista, assumindo o controle total do Parlamento de 167 deputados, cuja legislatura se inicia em 5 de janeiro.
"Ninguém vai me parar. Nem Assembleia burguesa, nem Assembleia de direita. Essa batalha se anuncia boa", manifestou o presidente, que assumiu o poder em abril de 2013. O mandato de Maduro termina em 2019.
O presidente Maduro atribuiu a derrota a uma "guerra econômica" da direita. Segundo ele, foi uma armadilha que levou os venezuelanos, incomodados com o alto custo de vida e com as filas provocadas pela escassez de alimentos, a votarem contra o governo.
"Foi um erro. Um voto contra vocês mesmos", afirmou.
Na terça-feira, o presidente pediu a renúncia do gabinete para reestruturar seu governo e tomar ações de "retificação" e medidas para enfrentar "a guerra econômica".
"O que eu vou fazer é radical. Vou com tudo. Eu não vou deixar perder essa revolução por fraqueza, por frouxidão", frisou.
Naquele que deve ser o primeiro embate entre o Executivo e o Legislativo, Maduro advertiu que vetará a anistia promovida pela oposição para cerca de 80 presos políticos, como o líder radical Leopoldo López. Condenado a quase 14 anos de prisão, López é acusado de incitar a violência em protestos que deixaram 43 mortos em 2014.
"Não aceitarei nenhuma lei de anistia, porque os direitos humanos foram violados. E assim eu digo e assim me coloco. Podem me enviar mil leis, mas os assassinos de um povo têm de ser julgados e têm de pagar", afirmou Maduro.
Encarregada do projeto, a deputada eleita Delsa Solórzano, garantiu hoje que a Assembleia tem o poder para promulgá-la. "A lei vai porque vai", disse à AFP.
Em suas primeiras ações, Maduro anunciou que, antes de 5 de janeiro, nomeará 12 magistrados do Tribunal Supremo de Justiça, fará a transferência para os trabalhadores da propriedade do canal de televisão da Assembleia Nacional, a ANTV, e enviará um projeto de lei para a estabilidade trabalhista dos trabalhadores.
"Se cada braço exercer suas funções, não tem de haver luta de poderes (...) mas se decidirem burlar a vontade popular, haverá choques", alertou Ramos Allup.
O constitucionalista Juan Manuel Rafali prevê uma "fricção de poderes", enquanto o analista Luis Vicente León, presidente do instituto Datanálisis, disse que uma paralisação das reformas urgentes para tratar da crise econômica pode ser "brutal". A tensão começa a ser sentida no ambiente.
Hoje, cerca de 30 pessoas invadiram um salão, no centro de Caracas, onde dois ex-ministros de Chávez, fortes críticos de Maduro, davam uma entrevista coletiva. "Traidores", "estamos aqui em apoio ao comandante Nicolás Maduro", gritava a multidão.
Os ex-ministros Héctor Navarro e Jorge Giordani afirmaram na entrevista que o país vive "uma verdadeira catástrofe" econômica e que o governo é o responsável pela contundente derrota nas legislativas.
Segundo os dois ex-ministros, a revolução socialista degenerou em "nepotismo", "burocracia" e "corrupção", vícios próprios do bipartidarismo que Chávez derrotou em 1998, após 40 anos de vigência.