Madri, Espanha - A princesa Cristina, irmã do rei Felipe VI, e seu marido, Iñaki Urdangarin, se sentam na próxima segunda-feira no banco dos réus com outros 16 acusados, fato sem precedentes na Espanha, em um mega-julgamento por corrupção de alto risco para a já arranhada imagem da monarquia.
O frenesi midiático é enorme com esse processo, que vai até junho em um tribunal de Palma de Mallorca. Há alguns anos, o casal Real fascinava os súditos quando ia para essa ilha mediterrânea, com os filhos, quatro sorridentes crianças loirinhas de olhos azuis.
O rei Juan Carlos I lhes havia concedido o título de Duques de Palma como presente de casamento, em 1997, no momento de maior popularidade da Coroa. O título lhes foi tirado por Felipe VI em junho de 2015, um ano depois de subir ao trono após a abdicação de seu pai. Juan Carlos deixou o trono devido a uma série de escândalos.
Agora, para proteger uma imagem que apenas começa a melhorar, "Felipe VI não pode permitir que haja a menor sombra de dúvida no julgamento de sua irmã", disse à AFP Pilar Urbano, autora de vários livros sobre a monarquia.
O processo deve ser "exemplar, caso contrário, pode prejudicá-lo", completou.
Tratamento privilegiado?
O marido da infanta, Iñaki Urdangarin, de 47 anos, ex-medalhista olímpico de handebol que se transformou em empresário, é acusado de ter desviado mais de 6 milhões de euros junto com seu ex-sócio Diego Torres.
O dinheiro tinha origem em contratos supostamente superfaturados. Usando sua influência quando era considerado "o genro perfeito" do popular monarca, Urdangarin conseguiu esses contratos de dois governos regionais, por intermédio de uma organização sem fins lucrativos, o Instituto Nóos.
O dinheiro seria, então, desviado para várias empresas fantasmas lideradas pela Aizoon, propriedade de Cristina e do marido.
O juiz de instrução do caso se esforçou durante anos para provar que a infanta conhecia os negócios do marido, além de se beneficiar, pessoalmente, do dinheiro desviado. Ele enfrentou, porém, a dura oposição do procurador. Garantindo não ver indícios do delito, este impediu o juiz de processar a infanta por tráfico de influências e lavagem de dinheiro.
Assim, Cristina está sendo acusada apenas de sonegação e será denunciada somente por uma acusação popular - a associação de ultra-direita Mãos Limpas. Nem a Procuradoria, nem a Fazenda Pública agiram contra a infanta.
"Isso já supõe um grande privilégio", denunciou à AFP o advogado Miguel Bernad Remón, que representa a Mãos Limpas.
Urdangarin será julgado por malversação, delito fiscal, tráfico de influência, fraude e lavagem de dinheiro. Para ele, o procurador pede 19 anos e meio de prisão, e para Cristina, oito anos.
Doutrina BotínOs primeiros dias do processo serão dedicados a questões de procedimento. Os acusados começam a prestar seu testemunho em 9 de fevereiro.
Até agora, Cristina Federica Victoria Antonia de la Santísima Trinidad de Borbón y Grecia, de 50 anos, diz ignorar tudo o que aconteceu e ter agido por amor.
"Meu marido, eu confio nele e em seu bom trabalho", afirmou, em fevereiro de 2014, quando foi interrogada por cinco horas pelo juiz de instrução.
Essa mesma estratégia deve ser usada agora por sua defesa, como já havia antecipado em abril passado.
No início do processo, os advogados da infanta vão pedir que seja aplicada a chamada "Doutrina Botín". Em 2007, esta doutrina evitou que o poderoso banqueiro Emilio Botín - falecido presidente do Santander - fosse julgado em um escândalo financeiro por não ter sido denunciado nem pela Procuradoria, nem pelos investidores prejudicados, e sim apenas por uma acusação popular.
"A aplicação da Doutrina Botín projetaria uma sombra sobre o julgamento. Daria a impressão de que a Justiça não é igual para todos", insistiu Urbano, referindo-se a uma sociedade cada vez mais intransigente com os privilégios e com a corrupção, após anos de profunda crise econômica.
Para a já abalada imagem da monarquia "tudo é ruim: se julgarem-na, é ruim; se aplicarem a Doutrina Botín, é ruim", corroborou José Apezarena, biógrafo de Felipe VI.